segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Mais do Cabo Anselmo, o "cachorro" do Fleury

O ex-cabo Anselmo, jornalistas e historiadores

Victor Gentilli

Octávio Ribeiro, conhecido como "Pena Branca", e Percival de Souza são repórteres policiais da velha e boa cepa. Octávio já é falecido; Percival é um veterano da reportagem. Ambos conseguiram duas façanhas que nenhum outro profissional alcançou. Entrevistaram o polêmico cabo Anselmo, uma das personagens centrais da história do Brasil no período 1964 a 1973. Anselmo desempenhou um papel importante nos episódios de março de 1964 que culminaram com o golpe militar. Liderava a Associação dos Marinheiros e seu discurso no aniversário da entidade, em 25 de março daquela ano, foi o argumento que faltava para a precipitação do golpe. Perto do teor de sua peroração, o discurso de João Goulart no comício de 13 de março, na Central do Brasil, era conversa de liberal...

Após o golpe, Anselmo exilou-se numa embaixada, foi preso, fugiu da prisão, esteve em Cuba e outros países. Mais tarde retornou ao Brasil. Em 1971 mudou de lado e decidiu delatar seus companheiros. Até 1973 operou como agente duplo. Foi responsável pela morte de pelo menos oito pessoas, dentre elas Soledad Viedma, sua jovem companheira que, segundo versões, estaria grávida de sete meses de Anselmo.

A história brasileira deve o conhecimento desses fatos aos jornalistas Octávio Ribeiro e Percival de Souza. O asco, o desconforto, o ódio, até mesmo a preguiça impediriam que um historiador tivesse acesso ao ex-cabo. Jornalistas com o perfil de "Pena Branca" e Percival de Souza cumpriram, assim, uma importante tarefa na reconstrução da história recente do país.

A fala de Anselmo é uma versão, claro. Aliás, várias. A Octávio Ribeiro afirmou que entregou-se voluntariamente em 1971, quando iniciou sua colaboração com a repressão do regime militar. Qualificava a versão com a afirmação, recorrente, de que fora uma escolha "em liberdade". Já na entrevista a Percival de Souza, diz que foi preso pela equipe do delegado Fleury e após um "amaciamento" decidiu colaborar. Detalhes a serem confirmados, se possível.

Entrevistado por Octávio Ribeiro em 1984, Anselmo revelou uma versão e algumas omissões em relação à sua entrevista a Percival de Souza, em 1999. A entrevista de "Pena Branca" teve duas versões: uma da revista IstoÉ, outra em um livro publicado pela Editora Global. A entrevista concedida a Percival de Souza já teve duas versões – na revista Época e no site da revista Época. Os trechos das entrevistas não são exatamente os mesmos. Percival, conforme informou no Observatório da Imprensa na TV, pretende também fazer uma versão em livro.

A versão em livro pode resolver algumas dúvidas que ainda permanecem:

  • Já em 1964 Anselmo não era confiável. Segmentos importantes do Partido Comunista Brasileiro consideram-no agente da CIA. A tese parece fantasiosa, mas vale a pena uma investigação histórico-jornalística.
  • Em 1966, Anselmo foge da prisão. O episódio não está esclarecido.
  • Há um período da vida de Anselmo, entre 1966 e 1971, com muitas lacunas. Cabe investigar.
  • O período da traição. Até para diminuí-lo, companheiros de Anselmo reduzem sua importância como traidor. É indiscutível que as oito mortes do Recife foram causadas por ele. Anselmo falara em mais de cem mortes quando entrevistado por Octávio Ribeiro

Cabe aos historiadores debruçarem-se sobre o material colhido pelos repórteres, e sistematizar velhas e novas questões e incongruências.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/mt200499.htm

O misterioso Cabo Anselmo

Por Marcos Doniseti

E o Cabo Anselmo, hein, Nassif? Está querendo receber reparação como perseguido político pela Ditadura Militar, logo ele que traiu na cara-dura ao movimento de oposição, entregando inúmeros e importantes membros da Esquerda para a Ditadura.

Link:

http://tvig.ig.com.br/154223/cabo-anselmo-reaparece-apos-40-anos.htm

Por Urariano Mota

Nassif

É falsa esta frase de Elio Gaspari, "Capturados em pelo menos quatro lugares diferentes, apareceram numa pobre chácara da periferia". Na melhor das hipóteses, Gaspari foi apressado em dar veracidade a um resto de versão, que vem sendo reescrita em sucessivos depoimentos do Cabo Anselmo.

Em meu livro "Soledad no Recife", que publiquei há pouco pela Boitempo, narro e mostro a farsa dessa chácara. Ela entrou como um teatro, Nassif, ou melhor, em nome da dignidade do teatro, a chácara entrou como um cenário medíocre para os crimes.

Primeiro, disseram em 1973 que teria havido um tiroteio na chácara São Bento entre os "terroristas" e as forças da ordem. Com a imprensa submetida à mais sufocante censura, essa versão foi divulgada em todo o Brasil e América Latina. A fonte era a Segurança Press.

Depois, com a democracia, com os depoimentos de testemunhas da prisão dos socialistas, caiu a versão do tiroteio na Chácara. Mas continuou um resto da antiga versão, ou seja, de que eles teriam sido transportados, depois de mortos, para o cenário.

Ora, para escrever "Soledad no Recife", para ser fiel à dignidade dessa mulher, que foi entregue, grávida, a Fleury pelo próprio Cabo Anselmo, pesquisei no prontuário do DOPS, vi as fotos dos crimes, de como desfiguraram uma das mais belas mulheres da América Latina, e posso dizer com a mão na consciência, como ordenava Camões: não há um só indício de ambiente rural, em todas as fotografias.
E pergunto mais: que necessidade haveria, com a imprensa amarrada, amordaçada, de transportar cadáveres do Recife para uma outra cidade? "Os terroristas foram mortos em troca de tiros numa chácara". Ponto. Ponto final. Ninguém ousaria contestar. E ai de quem ousasse.
Um amigo no Rio me citou uma frase que acho bem oportuna para este momento em o Cabo (cabo de coisa nenhuma, apenas marinheiro de primeira classe, com duas fitas, que a imprensa interpretou como patente de cabo) volta à mídia como uma pobre vítima: a coisa que mais surpreende é o passado. Ele está sempre nos ensinando algo que não sabíamos.

http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/08/30/o-misterioso-cabo-anselmo/

Lungaretti e cabo Anselmo: "cachorro" faz juz à anistia?

Atualizado em 27 de junho de 2009 às 21:56 | Publicado em 27 de junho de 2009 às 11:43

CABO ANSELMO: "CACHORRO" FAZ JUS A ANISTIA?

por Celso Lungaretti

 A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça está às voltas com o processo mais rumoroso em seus quase oito anos de existência: o de José Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo.

Hoje com 67 anos, trata-se do mais célebre dos militantes da resistência à ditadura militar que trocaram de lado, passando a atuar (segundo o jargão dos próprios órgãos de segurança) como cachorros da repressão, incumbidos de armar ciladas para os companheiros.

O cabo Anselmo havia sido o principal agitador da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil no período que antecedeu a quartelada de 1964. Depois do golpe, passou vários anos foragido, esteve em Cuba treinando guerrilha e, de regresso ao Brasil, militou na luta armada contra o regime militar, ao mesmo tempo em que colaborava com a repressão da ditadura, atraindo seus companheiros para emboscadas.

Eis como Élio Gaspari relatou, em A Ditadura Escancarada, uma de suas missões:

"A última operação de Anselmo, na primeira semana de janeiro de 1973, (...) resultou numa das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura. Um combinado de oficiais do GTE e do DOPS paulista matou, no Recife, seis quadros da VPR. Capturados em pelo menos quatro lugares diferentes, apareceram numa pobre chácara da periferia. Lá, segundo a versão oficial, deu-se um tiroteio (...). Os mortos da VPR teriam disparado dezoito tiros, sem acertar um só. Receberam 26, catorze na cabeça. (...) A advogada Mércia de Albuquerque Ferreira viu os cadáveres no necrotério. Estavam brutalmente desfigurados".

Quando seu verdadeiro papel ficou evidenciado, ele passou a viver sob a proteção dos órgãos de segurança, que lhe proveram remuneração e fachada legal sob identidade falsa. De vez em quando, para aumentar os ganhos, concedia entrevistas que foram publicadas com destaque na grande imprensa e até viraram livros.

O processo do cabo Anselmo tramita desde 2004 na Comissão de Anistia e ainda não tem julgamento marcado; na página virtual da Comissão há referência a um segundo pedido que ele protocolou em 2005 e foi definitivamente indeferido pelo colegiado.

Defendendo seus interesses na rede virtual de extrema-direita, ele escreveu: "Não aceito a decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça de empurrar o julgamento do meu pedido de anistia para o próximo governo".

Não há, claro, nenhuma decisão formal neste sentido, apenas rumores aos quais talvez tenha dado crédito e sobre os quais ingenuamente (ou demagogicamente) se manifesta.

Quanto às entrevistas que, nas últimas décadas, concedeu a Marco Aurélio Garcia, Octavio Ribeiro (Pena Branca) e Percival de Souza, vangloriando-se de suas ignomínias, agora Anselmo alega que teve a sua versão "completamente adulterada e deturpada", pois o que nelas admitiu não convém ao seu propósito atual de obter a anistia.

ESTIGMA DA INFÂMIA – O programa de anistia federal foi criado para oferecer reparações àqueles que sofreram danos físicos, psicológicos, morais e profissionais em decorrência do estado de exceção vigente no Brasil entre 1964 e 1985.

Conseqüentemente, caso o cabo Anselmo tenha sido um militante revolucionário até meados de 1971, só então mudando de lado, sua vida foi mesmo afetada pelo arbítrio instaurado no País, a despeito do juízo moral que façamos de quem chegou a se gabar numa entrevista de haver causado a morte de "cem, duzentos" idealistas que combatiam a ditadura e o tinham como companheiro.

Ou seja, se o poder não tivesse sido usurpado por um grupo de conspiradores em 1964, o cabo Anselmo continuaria presumivelmente servindo a Marinha, ao invés de se tornar um homem que há décadas carrega o estigma da infâmia e precisa viver escondido no próprio país. Daí o seu direito formal à reparação que está pleiteando.

No entanto, esse programa foi uma tentativa de reequilibrar os pratos da balança, depois que a Lei da Anistia de 1979 passou uma borracha no passado, equiparando carrascos e vítimas.

Naquele momento, os vitoriosos impuseram aos vencidos as condições para a pacificação: libertariam presos políticos e deixariam os exilados retornarem ao País, desde que os assassinatos, torturas e atrocidades cometidos ou consentidos pela ditadura ficassem para sempre fora do alcance da Justiça.

O Governo FHC, não podendo ou não ousando remediar essa situação, resolveu, pelo menos, remendá-la, concedendo compensações financeiras aos humilhados e ofendidos.

Daí o mal-estar causado pela impudência com que o cabo Anselmo pleiteou benefício de vítima, após ter sido um dos maiores vilãos do período.

Do ponto-de-vista moral, é chocante vermos um ser tão decaído lado a lado com cidadãos dignos e sofridos; do ponto-de-vista legal, provavelmente não haverá como expulsar esse estranho do ninho.

COOPTADO OU INFILTRADO? – A menos, claro, que se consiga comprovar a tese sustentada por vários de seus ex-colegas da Armada: a de que o cabo Anselmo desde o primeiro momento serviu à comunidade de informações, como agente infiltrado nos movimentos de esquerda.

Alegam, primeiramente, que ele tudo fez para radicalizar os movimentos dos subalternos das Forças Armadas – fator decisivo para que a oficialidade decidisse quebrar seu juramento de fidelidade à Constituição, passando a apoiar os conspiradores.

Logo após o golpe, Anselmo pediu asilo na embaixada mexicana. Mas, embora fosse uma das pessoas mais procuradas do País, resolveu sair andando de lá, sem ser detido.

Algum tempo depois foi preso, exibido como troféu pela ditadura... e logo transferido para uma delegacia de bairro, na qual, diz Gaspari, "Anselmo fazia serviços de telefonista, escrivão e assistente do único detetive do lugar".

A situação carcerária do ex-marujo, continua Gaspari, não cessou de melhorar:

"Com as regalias ampliadas, era-lhe permitido ir à cidade. Numa ocasião surpreendeu o ministro-conselheiro da embaixada do Chile, visitando-o no escritório e pedindo-lhe asilo. Quando o diplomata lhe perguntou o que fazia em liberdade, respondeu que tinha licença dos carcereiros. O chileno, estupefato, recusou-lhe o pedido".

Finalmente, sem nenhuma dificuldade, Anselmo deixou a cadeia em abril de 1966. Nada houve que caracterizasse uma fuga: apenas constataram que o hóspede saíra e não voltara.

Foi para Cuba e só retornou ao Brasil em setembro de 1970, iniciando no ano seguinte sua trajetória de anjo exterminador.

Se ficar estabelecido que o Anselmo sempre foi um agente duplo, Anselmo não fará jus à anistia federal; mas, claro, os antigos comandantes do Cenimar, Deops e órgãos congêneres dificilmente atestarão que ele já estava na sua folha de pagamentos antes da quartelada de 1964.

Caso tenha realmente sido um perseguido político até 1971, seus direitos não são anulados pelas indignidades posteriores.

O certo é que as chamadas provas circunstanciais não bastam para privá-lo da reparação a que moralmente não faz jus.

Então, é provável que a Comissão de Anistia tenha de engolir esse sapo gigantesco: deferir o pedido de um indivíduo infame a ponto de causar a morte da companheira que engravidara (a paraguaia Soledad Barret Viedma), tendo considerado mais importante garantir o massacre de seis revolucionários do que salvar sua amante e a criança que ela concebia.

UM REGISTRO - Por dever de honestidade, informo aos leitores deste blogue que não sou nem um pouco imparcial ao tratar deste assunto. Motivo: Anselmo foi responsável pela cilada que causou a prisão, torturas e morte de José Raimundo da Costa, o Moisés, executado na Casa da Morte de Petrópolis (RJ).

Dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária, o Moisés foi um dos companheiros de militância por quem tive amizade pessoal, daí minha repulsa e desprezo por seu carrasco.

Ele conhecia e estimava o cabo desde que participaram juntos dos movimentos de marinheiros. Conversando comigo, chegou a rechaçar as acusações que o PCB fazia a Anselmo, qualificando-as de tão fantasiosas quanto as que o partidão lançara contra Lamarca.

Pagou muito caro pela confiança irrestrita que tinha no cabo, de quem só reprovava o vedetismo e a puerilidade.

* Celso Lungaretti é jornalista.

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/lungaretti-e-cabo-anselmo-cachorro-faz-juz-a-anistia/

Reaparece o cabo Anselmo: será mais uma provocação?

Um dos personagens mais detestados dos anos de chumbo, José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, voltou ao noticiário na semana passada, quando foi tirar impressões digitais para reaver seus documentos de identidade, que não lhe fizeram falta quando vivia sob a proteção dos órgãos de segurança da ditadura militar, nem durante bom tempo depois de restabelecida a democracia no País.

Queixa-se de estar agora em dificuldades financeiras, necessitando de uma reparação da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, à qual acusa de protelar a decisão do seu caso:

"Esse pessoal da esquerda ainda inventa muita mentira. Há muita resistência no governo. Estão me enrolando já faz um bom tempo".

Foi o que também declarou num depoimento muito divulgado pela rede virtual de extrema-direita:

"Não aceito a decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça de empurrar o julgamento do meu pedido de anistia para o próximo governo".

O presidente do colegiado, Paulo Abrão, esclarece que havia necessidade formal de confirmação da identidade do requerente, já que ele não possuía documentação legal. Se as digitais revelarem que se trata mesmo do cabo Anselmo, aí o processo poderá seguir seu curso.

Exigências burocráticas à parte, ele é mesmo o cabo Anselmo e circula acompanhado por um amigo e tutor de passado igualmente tenebroso: o delegado Carlos Alberto Augusto, do 12º distrito de São Paulo.

De janeiro de 1970 a 1977, Augusto trabalhou sob as ordens diretas do terrível delegado Sérgio Paranhos Fleury no Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, quando era conhecido como Carlinhos Metralha (por andar amiúde com uma metralhadora pendurada no ombro).

Recentemente apontado ao Ministério Público Federal como torturador por Ivan Seixas, diretor do Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, Augusto entoa a habitual ladainha de que era "agente de informação" e não fazia o serviço sujo:

"Apenas cumpri meu dever de defender o país do comunismo. Não me arrependo de nada."

Tanto não se arrepende que está prontinho para ajudar a golpearem novamente a democracia, se surgir a oportunidade:

"O país que eu desejo não é este que está aí. Esses caras do governo [Lula] são todos sanguinários. Tudo comunista bandido e covarde. Estou à disposição dos militares na hora em que eles precisarem de novo".

O MAIS NOTÓRIO "CACHORRO" DO FLEURY

Hoje com 67 anos, o cabo Anselmo é o mais célebre dos militantes da resistência à ditadura militar que trocaram de lado, passando a atuar (segundo o jargão dos próprios órgãos de segurança) como cachorros da repressão, incumbidos de armar ciladas para os companheiros. De acordo com o delegado Augusto, só no Deops/SP havia uns 50 deles.

Principal agitador da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil no período que antecedeu a quartelada de 1964, depois do golpe Anselmo foi preso, escapou de forma inverossímil, passou vários anos foragido e chegou a treinar guerrilha em Cuba.

De regresso ao Brasil em 1970, militou na luta armada contra o regime militar, ao mesmo tempo em que colaborava com a repressão da ditadura, atraindo seus companheiros para emboscadas.

Eis como Élio Gaspari relatou, em A Ditadura Escancarada, uma de suas missões:

"A última operação de Anselmo, na primeira semana de janeiro de 1973, (...) resultou numa das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura. Um combinado de oficiais do GTE e do DOPS paulista matou, no Recife, seis quadros da VPR. Capturados em pelo menos quatro lugares diferentes, apareceram numa pobre chácara da periferia. Lá, segundo a versão oficial, deu-se um tiroteio (...). Os mortos da VPR teriam disparado dezoito tiros, sem acertar um só. Receberam 26, catorze na cabeça. (...) A advogada Mércia de Albuquerque Ferreira viu os cadáveres no necrotério. Estavam brutalmente desfigurados".

Quando seu verdadeiro papel ficou evidenciado, ele passou a viver sob a proteção dos órgãos de segurança, que lhe proveram remuneração e fachada legal sob identidade falsa. De vez em quando, para aumentar os ganhos, concedia entrevistas que foram publicadas com destaque na grande imprensa e até viraram livros.

O programa de anistia federal, a cujos benefícios Anselmo aspira, foi criado para oferecer reparações àqueles que sofreram danos físicos, psicológicos, morais e profissionais em decorrência do estado de exceção vigente no Brasil entre 1964 e 1985.

Conseqüentemente, caso o cabo Anselmo houvesse sido, conforme alega, um militante revolucionário até meados de 1971, só então mudando de lado, sua vida teria sofrido um dano plausível em função do arbítrio instaurado no País, a despeito do juízo que façamos de quem chegou a se gabar numa entrevista de haver causado a morte de "cem, duzentos" idealistas que combatiam a ditadura e o tinham como companheiro.

Ou seja, se o poder não tivesse sido usurpado por um grupo de conspiradores em 1964, o cabo Anselmo continuaria presumivelmente servindo a Marinha, ao invés de se tornar um homem que há décadas carrega o estigma da infâmia, vivendo escondido no próprio país. Daí o direito formal que teria à reparação que está pleiteando.

COOPTADO OU INFILTRADO?

A menos, claro, que se consiga comprovar a tese sustentada por vários de seus ex-colegas da Armada: a de que o cabo Anselmo desde o primeiro momento serviu à comunidade de informações, como agente infiltrado nos movimentos de esquerda.

Alegam, primeiramente, que ele tudo fez para radicalizar os movimentos dos subalternos das Forças Armadas – fator decisivo para que a oficialidade decidisse quebrar seu juramento de fidelidade à Constituição, passando a apoiar os conspiradores.

Logo após o golpe, Anselmo pediu asilo na embaixada mexicana. Mas, embora fosse uma das pessoas mais procuradas do País, resolveu sair andando de lá, sem ser detido.

Algum tempo depois foi preso, exibido como troféu pela ditadura... e logo transferido para uma delegacia de bairro, na qual, diz Gaspari, "Anselmo fazia serviços de telefonista, escrivão e assistente do único detetive do lugar".

A situação carcerária do ex-marujo, continua Gaspari, não cessou de melhorar:

"Com as regalias ampliadas, era-lhe permitido ir à cidade. Numa ocasião surpreendeu o ministro-conselheiro da embaixada do Chile, visitando-o no escritório e pedindo-lhe asilo. Quando o diplomata lhe perguntou o que fazia em liberdade, respondeu que tinha licença dos carcereiros. O chileno, estupefato, recusou-lhe o pedido".

Finalmente, sem nenhuma dificuldade, Anselmo deixou a cadeia em abril de 1966. Nada houve que caracterizasse uma fuga: apenas constataram que o hóspede saíra e não voltara.

Em sua excelente coluna desta terça-feira (4), "O dito cabo Anselmo" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0408200909.htm), que recomendo com entusiasmo, o jornalista Jânio de Freitos assim comenta tal episódio:

"O compreensível ódio da oficialidade desacatada pelos marinheiros, logo na mais classista das forças militares, transmudou-se em represália feroz quando o golpe possibilitou a prisão da marujada rebelde. Masmorras e prisão nas piores condições em navios foram o destino comum dos apanhados. Não, porém, para o maior incitador da rebelião e das ameaças à oficialidade: Anselmo foi posto em um pequeno e pacato distrito policial na orla da floresta do Alto da Tijuca, sem vigilância especial, e disponível para seus visitantes. Em poucos dias, não precisou de mais do que sair pela porta para a liberdade. Os visitantes perderam a sua nos dias seguintes".

E foi mais longe o grande jornalista, acrescentando uma informação não muito conhecida sobre Anselmo:

"Também por aquelas alturas, um cartunista jovem e já famoso foi solicitado a ajudar 'o caçado' Anselmo, arranjando-lhe um abrigo por alguns dias. O rapaz deu-lhe a chave de um apartamento. Em troca, recebeu os efeitos habituais da repressão, e mais tarde viveu anos de exílio na Suíça".

NOVA MISSÃO DE AGENTE PROVOCADOR?

Se ficar estabelecido que o Anselmo foi sempre um agente duplo, ele não fará jus à anistia federal; mas, claro, os antigos comandantes do Cenimar, Deops e órgãos congêneres dificilmente atestarão que ele estava na sua folha de pagamentos antes mesmo da quartelada de 1964.

O certo é que as chamadas provas circunstanciais não bastam para privá-lo da reparação a que moralmente não faz jus, inclusive por ter sido, como assinala Jânio de Freitas, "criada, entre outras, para as suas vítimas".

Embora Jânio de Freitas tenha carradas de razão em tudo que afirma, a Comissão de Anistia não poderá basear sua decisão em ilações como a de que a "a história rocambolesca" da fuga do Anselmo, acima relatada, "vale por um atestado". Concordo plenamente, mas temo que isto não seja suficiente, em termos legais.

Outra trecho significativo de sua coluna:

"Anselmo diz ter dificuldades financeiras (...). Tais dificuldades, supondo-se que existam, não eliminam a questão de como se manteve nos últimos 45 anos. E, ainda, o fato de que os serviços secretos e as correntes militares da ditadura, ou delas originárias, nunca abandonaram um dos seus que se mantivesse fiel, como Anselmo. Os anos desde o fim da ditadura estão repletos de nomes e histórias assim. E, por gratidão ou dever funcional, a Marinha e a ditadura deixaram provas do tratamento especial ao dito cabo Anselmo".

Está certo o colunista ao insinuar que as motivações de Anselmo possam ser outras que não as financeiras. É bem capaz de ele continuar recebendo mesada generosa das viúvas da ditadura e estar apenas cumprindo uma nova missão de agente provocador: a de fornecer um trunfo propagandístico contra o programa de anistia federal, caso este indefira o seu pedido.

É tudo de que precisa a extrema-direita para infestar a internet com acusações de que estariam sendo adotados dois pesos e duas medidas.

Alvejar as reparações que o Brasil concede seguindo recomendações da ONU está entre os carro-chefes da propaganda enganosa dos Ternumas da vida, pois as cifras alardeadas causam inveja num país em que nunca houve maior respeito pelos direitos dos cidadãos. [Nem haverá jamais, se as tentativas de introdução de práticas civilizadas continuarem despertando reações tão tacanhas.]

Tudo isso considerado, talvez a Comissão seja mesmo obrigada a engolir esse sapo gigantesco: anistiar um indivíduo ignóbil a ponto de causar a morte da companheira que engravidara (a paraguaia Soledad Barret Viedma), tendo preferido propiciar o massacre de seis revolucionários do que salvar sua amante e a criança que ela concebia.
 
 

Bomba! Segundo ex-diretor do Dops, o cabo Anselmo já era agente duplo em 64

Mal o cabo Anselmo acabava de finalmente mostrar a cara num longo Canal Livre da rede Bandeirantes, o bumerangue a atingiu em cheio: a Folha de S. Paulo divulga na edição desta segunda-feira (31) que Cecil Borer, diretor do Dops carioca à época da quartelada de 1964, revelou que o tinha então a seu serviço.

O jornal afirma dispor da gravação de tal entrevista, na qual Borer (1913-2003) relata a colaboração de Anselmo não apenas com o Deops, mas também com o Cenimar e a CIA.

Conforme venho esclarecendo desde que foi noticiada a pretensão de José Anselmo dos Santos a uma reparação federal (vide http://www.jornalorebate.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=593&Itemid=60 - Http://www.jornalorebate.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=639&Itemid=71 - http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/08/reaparece-o-cabo-anselmo-sera-mais-uma.html), as regras da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça a obrigam a concordar com o pedido se ficar estabelecido que o ex-marinheiro (o apelido de cabo era equivocado) foi mesmo um militante de esquerda até 1971 e só trocou de lado em tal ano, passando a facilitar a prisão e/ou morte dos companheiros.

A única situação em que a Comissão de Anistia pode recusar o pedido de Anselmo, eu sempre disse, é a de que Anselmo já fosse agente duplo em 1964. Havia vários indícios neste sentido, mas nenhuma prova cabal.

A entrevista da Folha pode ser a evidência sonhada pelos que tentam evitar a concessão, a um auxiliar dos carrascos, de um benefício criado para suas vítimas.

A gravação, mais os inúmeros episódios flagrantemente suspeitos da vida de Anselmo, já serão suficientes para provocar muita discussão quando o colegiado for apreciar este processo. A decisão, em tais circunstâncias, seria impossível de se prever.

E se aparecer mais um - um só! - elemento de prova com o mesmo peso das palavras do ex-diretor do Dops, arrisco o prognóstico de que o pedido de Anselmo será unanimemente recusado.

Talvez seja a isto que o ministro da Justiça Tarso Genro estivesse aludindo há algumas semanas, quando aventou a possibilidade de que Anselmo já atuasse como "agente infiltrado dos golpistas" em 1964. Afinal, deu uma declaração enfática demais para quem não tivesse curinga na manga:

"Não cabe a aplicação da Lei da Anistia a pessoas que deliberadamente atuaram como agente do Estado, seja para desestabilizar um regime legal, como era o governo João Goulart, seja depois, numa estrutura paralela".

Então, é bom o Anselmo ir desde já considerando a hipótese de seguir o conselho que Genro então lhe endereçou, de entrar com ação ordinária contra a União, requerendo indenização por haver atuado na repressão política sem reconhecimento do Estado "pela prestação desse regime".

Pois, no próprio ato de recusar-lhe a reparação, a Comissão de Anistia estará reconhecendo sua condição de agente dos serviços de informação do Estado durante décadas. Nada mais justo do que ele ser indenizado por todos esses anos em que trabalhou sem registro em carteira. E sua profissão correta poderá até constar da nova documentação que requereu...

ANTES ELOGIAVA FLEURY. AGORA
DIZ QUE ELE O AMEAÇOU DE MORTE

De resto, a minha impressão é de que sua aparição na TV deve ter causado ao telespectador comum o mesmo asco que provocou em nós, conhecedores dos fatos esmiuçados no Canal Livre de 30/08/2009.

Tentando conciliar as mentiras atuais com as que contou aos jornalistas-escritores Octávio Ribeiro (Pena Branca) em 1984 e a Percival de Souza em 1999, Anselmo enredou-se em inúmeras contradições e não foi crível ao afirmar que a repressão lhe prometera poupar Soledad Barret Viedma, a militante uruguaia cuja morte propiciou a despeito de estar gerando uma criança dele.

Anselmo anteriormente afirmou ter apenas apelado à repressão para que a poupasse. Ao contar o conto de novo, aumentou um ponto. Só que a cascata pegou mal, já que as bestas-feras da ditadura não eram dadas a fazer promessas desse tipo. Então, ele perdeu outro tanto de credibilidade, se é que ainda tinha alguma.

Foi penoso acompanharmos as fanfarronices e as justificativas tortuosas de Anselmo ao longo de aproximadamente hora e meia de programa.

De um lado, repetiu os mais surrados clichês da propaganda anticomunista. E soaram extremamente inverossímeis suas declarações de que traiu os movimentos de resistência para evitar uma guerra civil, embora noutros momentos admitisse o despreparo e a inferioridade de força dos grupos guerrilheiros face à ditadura.

De outro, tentou angariar alguma simpatia para sua cruzada atual ao falar sobre torturas e coações que teria sofrido. Só que levou um xeque-mate quando disse ter sido ameaçado de morte pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury e lhe foram atirados na cara os elogios rasgados que fez outrora ao sinistro personagem.

ANSELMO FOI PRESO POR ENGANO
EM 64. DEPOIS, ENCENARAM SUA FUGA

Quanto á notícia da Folha, Ação de Anselmo é pré-64, diz policial (assinantes do jornal ou do UOL podem acessar em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3108200909.htm), causa estranheza a entrevista do ex-diretor do Dops só estar sendo divulgada hoje, oito anos depois de concedida e seis anos depois da morte de quem a concedeu. A grande imprensa tem razões que a própria razão desconhece.

Eis os principais trechos:

"Diretor do Dops carioca à época do golpe de Estado de 1964, o policial Cecil Borer (1913-2003) afirmou dois anos antes de morrer que o marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, mais célebre agente duplo a serviço da ditadura militar, já era informante da Marinha e da polícia política antes da deposição do presidente João Goulart.

"As entrevistas de Borer ao repórter da Folha foram concedidas em 2001 na apuração para um livro e uma reportagem. Ele autorizou a gravação.

"O policial, denunciado como torturador de presos durante três décadas, teve atuação destacada nas prisões após o golpe de 1964. Aposentou-se em 65.

"Ao ser entrevistado pela Folha, ele tinha 87 anos. Narrou 'pressões' físicas contra presos, negou a condição de torturador e falou de agentes infiltrados na esquerda.

"No começo de 1964, Anselmo presidia a AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil). Borer contou que ele já era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da Guanabara, do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e dos "americanos" - a CIA (Agência Central de Inteligência).

"Foi categórico: '[Antes de abril de 1964, Anselmo] trabalhava, trabalhava'. Para quem? 'Para todo mundo.' Detalhou: 'Ele trabalhava para a Marinha, ele trabalhava para mim, trabalhava para americano'. Não esclareceu a data em que o militar teria aderido.

"Conforme Borer, Anselmo não foi um infiltrado escalado para se misturar aos marinheiros. O ex-diretor disse que ele foi recrutado pelo Cenimar quando já atuava na associação.

"O policial afirmou que as informações transmitidas por Anselmo eram compartilhadas por Cenimar e Dops com classificação 'A', exclusiva de fonte de alta confiança. Os organismos tratavam-no por nome em código. 'Não havia segredo entre Dops e Marinha. (...) Esse trabalho, essa informação veio do Anselmo, então é classe A'.

"Dias após a queda de Goulart, Anselmo se asilou na Embaixada do México no Rio. Em pouco tempo abandonou o local e se abrigou em um apartamento na zona sul. No dia seguinte, foi detido e levado para o Dops.

"Ele disse que o esconderijo foi identificado por agentes seus infiltrados entre exilados no Uruguai. Informaram o endereço a um policial que ignorava a dupla militância de Anselmo, que acabou preso.

"Sua condição de informante, diz Borer, era de conhecimento restrito, mesmo no Dops e no Cenimar: 'Então Anselmo veio, tá preso, você não vai soltar, que não vai queimar'.

"Anselmo retomou a liberdade somente em 1966, quando Borer já estava aposentado, ao ir embora de uma delegacia no bairro do Alto da Boa Vista onde estava preso. Lá, ele circulava quase sem restrições.

"A fuga foi uma farsa, disse Borer. O objetivo do que descreve como encenação de colegas seus foi infiltrar o agente na esquerda clandestina. Anselmo foi para o Uruguai, onde entrou no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), grupo dirigido por Leonel Brizola.

"A seguir, treinou guerrilha em Cuba. De volta ao Brasil, aderiu à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização armada depois dizimada por suas delações.

"Em entrevista ao repórter Octávio Ribeiro, em 1984, Anselmo disse que se entregou por iniciativa própria ao Deops por volta de 1971 e nunca foi torturado. Em 1999, assegurou ao repórter Percival de Souza que foi surpreendido e preso pelo Deops e que o torturaram antes da mudança de lado."
 
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O povo brasileiro precisa ter a memória sempre refrescada (e os mais jovens precisam ter acesso às informações verdadeiras), pois só assim poderemos impedir que mais um ato indecente seja cometido no Brasil. Cadê a "carrocinha" para levar o cabo Anselmo?
Capacho do ordinário delegado Fleury, só poderia mesmo ser coisa muito ruim, gente da pior espécie. Dedo-duro, traidor, ignóbil... Que a justiça seja feita! Ele fala em anistia e nós falamos em JUSTIÇA, PUNIÇÃO, JULGAMENTO, LEI. Ele tem que, como todos os demais que torturaram, traíram e causaram mortes durante a ditadura, ser julgado e, claro, condenado.

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