As comemorações dos 20 anos da queda do muro de Berlim são mais do que justas, pelo horror daquela construção dividindo uma cidade e aprisionando pessoas, mas faz falta nas matérias divulgadas pela imprensa uma referência clara ao que veio depois daquele período e suas conseqüências.
A história tem seus ciclos e ao da guerra fria, sucedeu o triunfo do capitalismo, bradado pelo então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e sua expressão neoliberal, inspirada pelo Consenso de Washington, formulado dois meses depois da queda do muro. O Ocidente, vencedor e absoluto, sentiu-se em condições de ditar ao mundo as suas regras econômicas, e elas vieram em forma de 10 mandamentos: redução dos gastos públicos, privatização das estatais, desregulamentação do mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto sem restrições, disciplina fiscal, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado e direito à propriedade intelectual.
O capitalismo deixava de lado as conquistas sociais democráticas necessárias quando precisou se contrapor ao socialismo no pós-guerra para assumir novamente uma face selvagem e benéfica apenas aos detentores do capital. O Estado teria que reduzir seu tamanho e isso implicava abrir mão até de seus compromissos com a educação e a saúde.
Foi o tempo do Deus mercado. Os capitais podiam e deviam transitar livremente sem que os Estados esboçassem reação. No discurso, seriam capitais de investimento, mas, na prática, reveleram-se muito mais capitais especulativos, que atacavam as nações e sua moedas sem pudor.
Adotado como política do Fundo Monetário Internacional em 1990, o Consenso de Washington foi aplicado sem distinção em todo o mundo pobre ou em desenvolvimento. Suas propostas tiveram que ser acatadas na África, na Ásia e na América Latina. O capital estava livre para circular; as pessoas, não, naturalmente.
A onda neoliberal varreu o planeta e quem se colocasse contra ela era jurássico, como definiu um de seus defensores, o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. Na América Latina, foi a era de FH, no Brasil; Carlos Menem, na Argentina; Carlos Andrés Pérez, na Venezuela, e Sanches de Lozada, na Bolívia, entre outros, todos encantados com o tratamento de choque dos ajustes macroeconômicos. Por mais que os problemas fossem evidentes, estes países eram muito elogiados pelo FMI por seguirem direitinho o receituário.
Mas não tardaram a vir as crises. Na Ásia, na Rússia, no México e na Argentina. E com elas a quebra desses países. O PIB da Rússia caiu 30%, o peso mexicano desvalorizou-se em 60%, a Argentina foi ao chão e a população aderiu ao escambo como forma de sobrevivência. O capital financeiro fugiu em massa desses países, agravando uma crise que esteve bem perto de um colapso mundial.
O FMI saiu em socorro de um modelo que dava sinais de esgotamento e aumentou o endividamento externo dos países, que apostavam nos mandamentos recomendados para se desenvolverem. O crescimento prometido não veio e a insatisfação popular cresceu.
Mais uma vez voltando à América Latina, Menem responde a processos até hoje, Andrés Pérez sofreu impeachment e Sanches de Lozada fugiu para os Estados Unidos. Com Fernando Henrique, que foi duas vezes de pires na mão ao FMI e entregou o país com um endividamento quintuplicado, nada aconteceu. Talvez pela cordialidade brasileira está aí até hoje falando em subperonismo e aplaudido por meia dúzia de saudosistas.
Todos estes governos foram sucedidos por presidentes com propostas antagônicas. O Estado retomou seu papel, os investimentos públicos aumentaram, privatizações foram interrompidas e houve crescimento.
Apesar do fracasso neoliberal e das regras do Consenso de Washington, o modelo que triunfou após a queda do muro não morreu com as crises dos anos 90. Foi preciso um novo abalo mundial, provocado pela liberdade absoluta do capital financeiro e sua irresponsabilidade, para que novas regras fossem pensadas.
O mundo deixou de ser do G7 para ouvir o G20, no qual se encontram várias vítimas das crises dos 90. O FMI , quem diria, prepara proposta para taxar bancos e criar fundo anticrise. Enfim, a história deu mais uma volta que precisa ser lembrada nessas celebrações do fim do muro de Berlim. Mair Pena Neto. Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especialde economia
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