segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O desespero da Folha é pior do que a mente de Benjamim

Carta O Berro

 

Blog do Rovai


 

Cesar Benjamim é uma mente doentia. Alguém que inventa histórias e constrói tramas para desqualificar aqueles com os quais por muitas vezes teve longo relacionamento. 

 Para quem não se lembra, esse é o sujeito que "denunciou" Emir Sader quando a editora dele não foi escolhida para fazer um trabalho que o sociólogo coordenava. 

 Era amigo de Sader por muito tempo, mas como seus interesses comerciais não foram atingidos, decidiu acusá-lo publicamente de corrupto. 

 Este Cesar Benjamim também é o mesmo que trabalhou no programa de governo de Garotinho quando imaginava que aquele poderia ser o candidato do PMDB à presidência da República. 

 Era um dos "cérebros" do ex-governador na construção de um programa nacionalista. 

 Mas como a candidatura do ex-governador não emplacou pelo PMDB, este mesmo Cesar Benjamim se filiou ao PSol e saiu candidato à vice-presidência da República na chapa de Heloísa Helena. 

 Provavelmente porque passou a achar que Garotinho não era mais o caminho a verdade e a vida. Mas sim HH. 

 Não foi só do PT, partido ao qual foi filiado, que saiu atirando. Também tretou com Garotinho e com o PSol. Benjamim não é só craque em produzir inimigos. É especialista em delação pública sem provas. 

 Se alguém com um currículo desses procurasse seu jornal para denunciar o presidente da República de ter tentado enrabar (vamos usar o português claro) um jovem nos dias em que era preso político, o que você faria? Publicaria o artigo? 

 E se essa mente doentia ainda citasse nominalmente uma única pessoa como testemunha, o que você faria? Não ouviria a testemunha e publicaria o artigo? 

 Cesar Benjamim é uma pessoa sem caráter, um psicopata da política. Pessoas assim existem. E vivem buscando jornais para acusar seus adversários. Jornais, em geral, as ignoram. 

 Por isso, neste episódio, o que mais me assusta é ver a Folha valer-se de uma mente insana para tentar atingir a reputação de alguém a quem se contrapõe politicamente. 

 Se a direção deste jornal considera isso válido para atingir seus objetivos, por que não sustentaria um golpe para derrotar esses mesmos adversários políticos? 

 A iminente derrota da oposição em 2010 e a falta de perspectiva política desse grupo nos próximos anos estão levando a uma radicalização midiática que não é só nojenta. É preocupante. 

 É bom os partidos da base do governo ficarem atentos a isso.



domingo, 29 de novembro de 2009

Ainda Roman Polanski

 

Polanski e sua ex-mulher, brutalmente assassinada, Sharon Tate

POLANSKI: O PREÇO DA LIBERDADE


Rui Martins

Berna (Suiça) - O cineasta Roman Polanski será libertado nos próximos dias, e aguardará em prisão domiciliar sua extradição para os EUA, pois a justiça suíça desistiu de apresentar um recurso contra decisão do Tribunal Federal. A liberdade será concedida com o depósito de uma caução equivalente a 4,5 milhões de dólares, entrega de todos os documentos à polícia suíça e uso de um aparelho fixado no tornozelo, capaz de alertar a polícia no caso de fuga.

Dois meses depois de Roman Polanski viver no exíguo aposento de uma prisão suíça, nos arredores da cidade de Wintertur, seus advogados conseguiram sua liberdade vigiada durante a espera da extradição reclamada pela California, nos EUA.

Foi o Tribunal Penal Federal, a pedido dos advogados de Polanski, que concedeu ao cineasta a possibilidade de aguardar em liberdade sua extradição. Para evitar o risco de uma fuga, o cineasta deverá depositar uma caução de 4,5 milhões de francos suíços ou dólares, entregar todos seus documentos e usar um aparelho eletrônico fixado no tornozelo, capaz de informar a polícia no caso de tentativa de fuga da prisão domiciliar no chalé de sua propriedade, na cidade de Gstaad.

Essa possibilidade de liberdade surgiu das afirmações constantes do pedido americano de extradição de que Polanski deverá cumprir uma pequena pena de dois anos nos EUA e não 50 anos de prisão como se afirmava a princípio. A justiça verificou que os 4,5 milhões oferecidos como caução representam a principal fortuna de Polanski e que uma fuga deixaria a família de Polanski, sua mulher e dois filhos, em má situação econômica, já que aos 76 anos, Polanski não terá condições ganhar novamente essa soma, fruto de uma vida de trabalho.

Polanski foi preso, há dois meses, numa autêntica cilada montada pela justiça suíça, dirigida atualmente por uma ministra de extrema-direita. Convidado para receber um prêmio no recém criado Festival de Cinema de Zurique, Polanski não se preocupou com o risco de ser preso, pois tem residência na Suíça, onde paga impostos e onde tem um chalé nas montanhas da cidade de Gstaad. A decisão tomada pelo departamento da Justiça de prender Polanski tinha chegado ao conhecimento do departamento de Cultura, que iria entregar o prêmio, mas que não alertou o cineasta, razão pela qual se fala ter numa cilada para se prender Polanski.

Por enquanto, Polanski , preso e sem direito a visitas, exceto de sua mulher uma vez por semana, não fez qualquer declaração sobre sua prisão, mas imagina-se que deverá ser severo contra a Suíça, mesmo porque sua prisão teve uma lado absurdo – o de se prender Polanski prestes a receber uma homenagem, quando se poderia prendê-lo sem alarde a qualquer momento, em seu chalé na cidade suíça de Gstaad, sua residência oficial, onde paga anualmente seu imposto de renda.

A imprensa suíça se pergunta se Polanski poderá fugir mesmo com uma tornozeleira eletrônica de metal e depois de depositar 4,5 milhões de dólares como garantia. Imaginando-se a situação em que vive atualmente Polanski, isolado depois de traído, é fácil se esperar que fuja, mesmo porque Gstaad fica perto da França. E, embora a liberdade custe caro para o cineasta, será também uma maneira da Suíça se livrar da responsabilidade de extraditar Polanski, sob o fogo de críticas de intelectuais e artistas de todo o mundo.

Embora Polanski tenha fugido da Califórnia, depois da instauração de um processo contra ele por ter sodomizado uma menor, existe em seu favor o fato do processo ter sido dirigido por um procurador sedento de notícias na mídia que prometia "condenar o anão", como se referia ao baixinho Polanski, por ter agido com o consentimento da garota e por já se terem passado mais de 30 anos. Sob constante ameaça de prisão, Polanski viajava pouco, com medo de ser preso fora da França, onde tinha se refugiado, e não podia filmar em nenhum país anglófono.

Polonês de origem, mas depois com nacionalidade francesa, Polanski escapou do holocausto contra os judeus na Segunda Guerra, no qual morreu sua família, por ter sido acolhido e escondido por uma família católica. A essa primeira tragédia de órfão no Holocausto, se acrescentou outra ocorrida com sua esposa, grávida, em Los Angeles, assassinada por um grupo de satanistas.


http://www.diretodaredacao.com/

 
 

sábado, 28 de novembro de 2009

cultura/ guerra/contemporaneidade

 
27 de Novembro de 2009 - 14h22

A surpreendente flexibilidade táctica dos talibãs no Afeganistão

Enquanto o exército paquistanês lança uma grande ofensiva no Vaziristão Sul, nos Estados Unidos intensifica-se o debate sobre o futuro do envolvimento no Afeganistão. Muitos comentadores estabelecem um paralelo com o atoleiro americano no Vietname. No terreno, as tropas estrangeiras enfrentam um inimigo que, para lá da retórica religiosa, dá provas de pragmatismo, tanto no plano táctico como político.

Por Patrick Porter, para o Le Monde Diplomatique

Andarão os Estados Unidos a combater extraterrestres? Ralph Peters crê que sim. Este polemista, tenente-coronel americano aposentado, teme que os talibãs sejam selvagens oriundos de um outro planeta, gente «que prefere os seus modos de vida rudimentares e os seus cultos implacáveis». Combatê-los resumir-se-ia a uma «colisão frontal entre civilizações de diferentes galáxias» [1].

Mas Ralph Peters não faz soar as trombetas da vitória. A seu ver, os soldados americanos estão nos Estados Unidos à mercê de media hostis, de dirigentes ignaros e de uma população que a opulência e o liberalismo iludem. Reatualiza assim Rudyard Kipling, o escritor britânico que advertiu a Inglaterra vitoriana de que os seus exércitos seriam submersos por hordas de selvagens e de que o Afeganistão era a terra onde os impérios iam morrer.

Uma tal viragem para o exotismo, em resposta às complexidades da guerra, transcende as divisões políticas. O "choque das civilizações" profetizado pelo falecido Samuel Huntington pode estar fora de moda nas universidades, mas a ideia de que os estrangeiros se parecem conosco ficou denegrida pelas consequências da guerra no Iraque e pelo projeto de George W. Bush que visava remodelar a imagem dos Estados Unidos. Doravante, a opinião pública pende a favor da diferença e no seu túmulo Huntington bem pode sorrir.

Como declarou um general americano, os Estados Unidos estão hoje envolvidos em conflitos "culturais" à margem do império. Para intervir nessas terras estranhas, quer seja em missões de estabilização ou em operações militares de "reconstrução nacional", o exército tenta usar a cultura como uma arma. O programa do Pentágono intitulado Human Terrain Teams e o novo manual de contra-insurreição FM3-24 [2] estão a redescobrir a antropologia colonial, tendo-se registado um renovado interesse por trabalhos clássicos sobre a "mente árabe".

Historicamente, crises imperiais como a revolta indiana dos cipaios, em 1857, estimularam a renovação da etnografia e o interesse pelas tradições tribais. Em 1940, na sequência das guerras contra "povos estranhos" – na Nicarágua e nas Caraíbas –, os fuzileiros navais dos Estados Unidos produziram o seu Small Wars Manual, em que recomendavam o estudo das "particularidades raciais" dos autóctones. É um velho reflexo.

A cultura serve de antídoto para a arrogância tecnológica norte-americana da década de 1990. Nessa altura, os visionários pensaram que as munições de alta precisão, as tecnologias da informação e os satélites desenvolveriam uma incomparável capacidade de matar, dissipariam o nevoeiro na guerra e tornariam esta potência invencível. Mas o Iraque e o ressurgimento dos talibãs cobriram com um brutal descrédito tais ideias. Por isso, a "revolução cultural", o regresso à identidade e ao sangue, à terra e à fé enquanto origens de conflito soam como uma grande reprimenda feita a essa ideia fantasmagórica.

O culturalismo, porém, tal como o tecnologismo, pode induzir em erro. A hipótese da similitude pode revelar-se perigosa, tal como a fixação no excêntrico, no "orgulho" árabe ou na "honra" muçulmana. E a convicção de que "conhecemos" um inimigo intimamente ou de que podemos gerar um conhecimento sistemático da sua cultura corre o risco de engendrar uma confiança falaciosa e falhas na análise. É inesquecível o caso do experiente especialista do Irã, agente da Agência Central de Inteligência (CIA), que em 1978, seis meses antes da Revolução Islâmica, elogiou o governo e a estabilidade do xá.

Se há lugar que estas análises descrevem como um ninho de inimigos exóticos culturalmente congelados é realmente o cadinho formado pelo Paquistão e o Afeganistão, referindo-se a literatura de estereótipos, desde 2001, a esse eterno "cemitério dos impérios", a essa "terra de ossadas" que no passado repeliu diversos invasores, de Alexandre, o Grande, aos soviéticos.

Segundo tais comentadores, os talibãs só podem ser entendidos como "estranhos ao pensamento ocidental", resumindo-se a guerra a um choque cultural entre uma teocracia arcaica e uma grande potência rica e ultramoderna. Derrubados no outono de 2001, os talibãs levariam assim a cabo uma revolta que muitos consideram acima de tudo cultural…

É tentador encarar os próprios afegãos como prisioneiros das suas tradições, sustentando alguns comentadores que as tribos pashtunes, de onde provém a maioria dos talibãs, estão ligadas a um vingativo código de honra baseado nos laços do sangue. O semanário The Economist repisa o argumento: "O pashtun, logo que a sua honra é manchada – é esse precisamente o problema dos americanos –, é obrigado a vingar-se" [3]. Outros apresentam os talibãs como místicos de um outro mundo. Quando a certa altura, a meio de uma entrevista, alguns soldados talibãs a interromperam para rezar, um jornalista invejou a sua "força e pureza", o seu "sentido transcendental da paz, a sua determinação e proximidade com a morte e com Deus, características muito raras no Ocidente moderno".

O refrão é óbvio: onde nós somos estratégicos, modernos e políticos, eles são primitivos e desprendidos do mundo. Os ocidentais não são, aliás, os únicos impressionados com esse sentimento de diferença radical, tendo-se gabado do seguinte um combatente afegão: "Os americanos gostam de Pepsi-Cola, mas nós gostamos da morte".

Quando em 1998, na sequência da guerra civil, os talibãs se apoderaram de quase todo o Afeganistão, impuseram a charia na sua forma mais austera e intransigente. Num país onde o islã puritano só raramente dominou, a nova ordem baniu a música e o álcool, introduziu os castigos corporais, tais como a amputação ou a lapidação até à morte, proibiu as imagens tidas como iconoclastas, despedaçou no Museu de Cabul milhares de objetos de arte pré-islâmica, destruiu antigas estátuas budistas (principalmente as do vale de Bamyian), procedeu a uma limpeza étnica massacrando milhares de hazaras (xiitas) em Mazar-e-Charif, executou homossexuais e dissidentes políticos, impediu as moças de frequentarem o ensino público e criou uma policia religiosa encarregada de espancar as mulheres que não se submetessem ao código de vestuário obrigatório.

Guerrilheiros na era da Internet

Mas, à medida que o conflito foi evoluindo, os talibãs souberam redefinir os seus princípios. Alteraram a sua posição sobre a cultura do ópio, tornando-se, depois da queda do seu governo, defensores do narcotráfico e protetores da vida rural. Em Musa Qala revogaram algumas restrições à vida social para conquistar a simpatia da população, renunciando, entre outras coisas, a que os homens usassem obrigatoriamente barba e a que os instrumentos musicais e o cinema fossem proibidos.

Fizeram também marcha-a-ré no respeitante aos ataques suicidas. Anteriormente, defendiam que era um ato de covardia e uma afronta ao islã andar com a roupa cheia de explosivos. Agora servem-se disso e os seus dirigentes religiosos reinterpretam o Corão de forma a justificar tais atos, recorrendo a histórias sobre mártires voluntários num exército muçulmano do século 17.

Na guerra da informação, os talibãs adaptaram-se ao poder das mídias modernas com uma facilidade que ultrapassa, de longe, a dos seus adversários. Dão entrevistas na televisão, enviam delegados ao Iraque para se familiarizarem com as técnicas de fabrico de vídeos da al-Qaida e imitam as práticas ocidentais levando jornalistas a "acompanhar" os seus combatentes. Quando estavam no governo, comparavam as representações humanas à idolatria. Agora violam os tabus sobre o "fabrico de imagens" e transformam-se em guerrilheiros da era da Internet. Cúmulo da ironia, este movimento que proibia os instrumentos musicais emprega agora cantores para fins propagandísticos, distribuindo cassetes que louvam o mártir talibã, condenam os infiéis e imitam o rap americano.

Na sua luta para conquistarem a simpatia dos afegãos, os talibãs promovem um governo alternativo ou "anti-Estado", o "emirado islâmico do Afeganistão". Desenvolveram sistemas paralelos de escolaridade, de saúde e de justiça e até instituíram um mediador, perto de Kandahar, a quem a população pode apresentar as suas queixas. Tentam também limitar a ação das milícias privadas com base em códigos de comportamento que proscrevem os ataques às habitações, o roubo e a pilhagem. Para lutarem contra a coligação dirigida pelos americanos, estudam a doutrina da contra-insurreição ocidental, bem como as repercussões que esta exerce nos sentimentos e na mente das pessoas. A interação estratégica com o inimigo tem a mesma importância que as tradições veneradas.

Embora a insurreição afegã tenha uma base étnica nas comunidades pashtunes, ela não pode ser reduzida a isso. As lealdades tribais tradicionais foram desestabilizadas e transformadas após a emergência dos tanzims (uma espécie de "partidos políticos" ou agrupamentos) e dos qawms (grupos de solidariedade ou de propriedade não homogêneos no plano territorial, incluindo seitas religiosas e alianças pragmáticas). Os próprios talibãs não operam apenas com base no sistema tribal. Na sua direção há membros das tribos durrani e ghizai e o seu movimento congrega grupos rivais, incluindo hazaras (xiitas) marginalizados na província de Ghazni. Muitos religiosos tadjiques e uzbeques aliaram-se à sua causa. Dispõem de vias de aprovisionamento e de comunicação em regiões maioritariamente povoadas por minorias não pashtunes e recrutam muito para lá das regiões que estão sob o seu domínio.

Deste modo, os talibãs odeiam aquilo que consideram elementos degenerados da modernidade, mas pretendem tirar proveito das vantagens que a sua tecnologia lhes oferece. Pregam a tradição, mas praticam a mudança.

O paradoxo da al-Qaida é semelhante. Muitas vezes apresentada como uma relíquia da idade Média, sonhando com um califado muçulmano ou mostrando-se nostálgica de uma Espanha perdida em 1492, ou como um ator estratégico que emprega a força como um fim em si (não brandindo a guerra como um instrumento da política e pondo em cena um teatro de horrores), a al-Qaida, contudo, provém de um mercado mundial de ideias e tecnologias. Como rede, luta para controlar aderentes violentos e puritanos que afastam as populações muçulmanas, da Argélia ao Iraque, mas não pode ser reduzida a um movimento pré-moderno ou simplesmente niilista. Os seus comunicados contêm princípios estratégicos clássicos. Quando declara guerra aos Estados Unidos, Osama Bin Laden justifica a sua estratégia de "guerrilha" não só como uma manifestação da violência sagrada, mas também como um método indispensável perante o "desequilíbrio de forças". O principal teórico da al-Qaida, Ayman Al-Zawahiri, pretende traduzir a violência em resultados políticos, escrevendo que as operações bem sucedidas contra os inimigos do islã de nada servirão se não permitirem criar uma "nação muçulmana no centro do mundo islâmico".

Longe de preconizarem o terror como um fim em si mesmo, os membros da al-Qaida deixaram no seu esconderijo de Tora Bora cópias anotadas da obra Da Guerra, o livro do estrategista prussiano Carl von Clausewitz.

A al-Qaida adapta-se às ideias dos infiéis e nos seus campos de treino há muitos livros publicados no Ocidente. Plagia manuais de treino ocidentais, os compêndios dos esquerdistas revolucionários, refere-se ao conceito contemporâneo de "guerra de quarta geração" e à teoria das "três fases" da guerrilha de Mao Tse-tung, amalgamando as crenças religiosas e o pensamento estratégico clássico e contemporâneo.

Entretanto, o novo interesse pelos universos sociais de sociedades estrangeiras levou o exército norte-americano a fazer reformas, tornando-se mais eficaz e "humano", por ser conveniente estar preparado para situações de guerra insurreccional, de conflitos comunitários ou do desmoronamento de um Estado. Mesmo assim, embora a cultura possa ser abordada através de muitos níveis de sofisticação, esta palavra deverá continuar a inquietar.

Talvez nunca possamos retirar da nossa consciência o oriental mítico, porque, tal como o medo da morte e do escuro, ele é demasiado poderoso para ser inteiramente exorcizado. Mas a natureza fluida e híbrida dos talibãs e da al-Qaida prova que a guerra congrega tanto como polariza. Nenhuma cultura, por mais estranha que seja, é uma ilha.

[1] Ralph Peters, "Taliban from Outer Space: Understanding Afghanistan", The New York Post, 3 de Fevereiro de 2009.

[2] William O. Beeman, A antropologia, arma dos militares, Le Monde diplomatique, Março de 2008.

[3] "Honour Among Them: The Pushtun's Tribal Code», The Economist, Londres, 22 de Dezembro de 2006.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ainda a "Ditabranda"

Crônica política sobre um documento contra a "ditabranda"

Caio Navarro de Toledo


RESUMO

Este breve artigo, uma crônica política, examina o significado e os efeitos políticos e ideológicos de um abaixo-assinado criado na Internet, em fevereiro de 2009. "Repúdio e Solidariedade" questionou a utilização do termo "ditabranda" – difundido pelo jornal paulista Folha de S. Paulo para designar a ditadura militar brasileira –, bem como prestou solidariedade a dois acadêmicos e intelectuais da Universidade de São Paulo (USP), conhecidos por suas atuações em defesa dos direitos humanos no Brasil. Subscrito por mais de 8 mil signatários, em pouco mais de seis semanas, o abaixo-assinado pode ser considerado – como testemunham os extensos comentários nele contidos – um relevante documento na luta pelo direito à verdade e à justiça sobre os fatos ocorridos durante o regime militar brasileiro (1964-1985). Talvez o seu papel simbólico mais relevante seja o de ter fincado uma bandeira na luta ideológica em torno da memória sobre 1964. No centro dessa bandeira seria reinscrita – como propôs um dos signatários do documento – a antiga consigna: no pasarán. Ou seja, os setores democráticos e progressistas da sociedade brasileira que apoiaram "Repúdio e Solidariedade" afirmam que não aceitarão calados as "falsificações da história" que impliquem o insulto à memória dos que lutaram, foram torturados e morreram na luta pela redemocratização do país.

Palavras-chave: ditadura militar; memória política; luta ideológica; Internet; imprensa burguesa.


I. INTRODUÇÃO

Em memória de dois saudosos
amigos – Heleny Guariba e João Abi-Eçab1
– e de todos que partiram sem dizer
"adeus".

Abaixo-assinados de orientação progressista ou de esquerda – antes do surgimento da Internet bem como nos tempos em que ela passou a ter uma presença relevante na difusão de informações e debates nas sociedades contemporâneas – certamente não chegam a abalar as estruturas do poder político ou o funcionamento de aparelhos ideológicos do capitalismo, nem provocam crises institucionais; no entanto, por vezes, algumas destas iniciativas podem ter uma certa eficácia no debate cultural e na luta político-ideológica de classes. Nesta breve crônica, buscarei examinar as circunstâncias nas quais foi criado o abaixo-assinado "Repúdio e Solidariedade" (CANDIDO et alii, 2009) – criado na Internet –, bem como analisar os efeitos políticos e ideológicos suscitados por esse documento nas suas quatro primeiras semanas de difusão2.

"Repúdio e Solidariedade" é uma firme tomada de posição crítica contra a noção de "ditabranda" – utilizada em Editorial da Folha de S. Paulo (LIMITES A CHÁVEZ, 2009) – para designar o regime militar brasileiro posterior a 1964, além de uma manifestação de solidariedade3 a dois professores universitários da Universidade de São Paulo, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato, que receberam graves ofensas da editoria desse jornal paulistano4.

II. O CONTEXTO DO DOCUMENTO

A iniciativa de elaborar um texto de "repúdio" e "solidariedade" surgiu no "calor da hora": da reação indignada de alguns colegas que, via correio eletrônico, foram por mim informados da polêmica ("ditadura" ou "ditabranda"?) que, inicialmente, se limitava à seção "dos leitores" da Folha5. Após reproduzir algumas das cartas dessa seção – em sua maioria, críticas ao "estelionato semântico" representado pelo neologismo "ditabranda" – e apresentar comentários pessoais sobre a polêmica questão, de imediato recebi de alguns colegas cópias de cartas enviadas ao jornal. Nenhuma delas foi publicada. Em contrapartida, as cartas enviadas pelos professores Benevides e Comparato receberam uma despropositada resposta do Diretor Editorial do jornal, Otavio Frias Filho. Numa curta "Nota de redação" (2009), a Direção da Folha – em vez de admitir o grave erro contido no Editorial de 17 de fevereiro – utilizou-se de recursos costumeiros aos vitoriosos de 1964 no "debate" com seus críticos: a intimidação e a ofensa aos seus interlocutores.

Na véspera do carnaval, incentivado por vários colegas, decidimos, por meio do recurso gratuito do ipetitions, elaborar um abaixo-assinado pela Internet. Na tarde do dia 20 de fevereiro, foi divulgado "Repúdio e Solidariedade"; de imediato, a informação do sítio eletrônico foi enviada a vários colegas que, por sua vez, lançaram-na em suas listas pessoais6. Diversos blogs de jornalistas "independentes" e sítios eletrônicos de entidades culturais e políticas – todos de orientação crítica, mas não necessariamente de esquerda – divulgaram, nos dias seguintes, o texto do abaixo-assinado e o respectivo link para as adesões.

III. SIGNIFICADOS DO DOCUMENTO

Aguardando um outro momento para uma análise mais consistente e rigorosa deste documento político que trata da memória e das representações ideológicas sobre o golpe civil-militar de 1964 e os 20 anos de ditadura militar, algumas observações e comentários podem ser feitos nesta breve crônica política.

Embora em alguns blogs o abaixo-assinado tenha sido divulgado com o nome de "Manifesto de intelectuais", esta designação não é adequada nem correta. Se alguns acadêmicos tomaram a iniciativa de criá-lo e algumas renomadas figuras da intelectualidade brasileira, de pronto, o apoiaram, "Repúdio e Solidariedade" tem como signatários pessoas de diferentes atividades profissionais sem nenhum vínculo imediato com o ensino universitário e a pesquisa acadêmica7. Juntamente com as centenas de professores universitários de todo o país, os apoiadores do abaixo-assinado8, em número significativo, são: advogados, arquitetos, artistas, engenheiros, escritores, estudantes universitários, jornalistas, professores do ensino médio, profissionais na área da saúde e da justiça (magistrados, juizes de direito, procuradores etc), psicólogos e psicanalistas, servidores públicos, religiosos etc9. Também estão entre os signatários, ativistas políticos, parlamentares e quadros partidários – exclusivamente do campo democrático e popular –, militantes de movimentos sociais populares (do movimento sindical, representantes de entidades de defesa dos direitos humanos e de ex-presos políticos, do movimento negro etc).

Uma outra observação a ser feita é a de que, na sua extensa maioria, os comentários acrescentados ao abaixo-assinado não são de autoria dos renomados acadêmicos e intelectuais signatários; com freqüência, estes não se identificam nem externam suas opiniões. Os comentários no abaixo-assinado procedem, sim, de pessoas que não escrevem na grande mídia brasileira; são, provavelmente, leitores de jornais que normalmente não têm acesso à seletiva e restritiva seção dos leitores dos grandes periódicos e revistas semanais brasileiras. Creio que um dos maiores méritos deste abaixo-assinado é o de ter se constituído num canal que permitiu dar voz a centenas de pessoas desconhecidas do grande público; por meio dessa forma democrática de consulta e petição (Ipetition), puderam elas, no melhor sentido da palavra, desabafar ou manifestar sua indignação diante do ominoso "estelionato semântico" perpetrado pelo Editorial da Folha.

Neste sentido, centenas de vozes uniram-se num verdadeiro grito de repúdio sintetizado pela recorrente expressão: "Ditadura nunca mais!" Dezenas de testemunhos de ex-presos políticos, de familiares de mortos e torturados, de dirigentes de entidades em defesa dos direitos humanos10 tornam "Repúdio e Solidariedade" um insubstituível documento que se integra ao conjunto das iniciativas que reivindicam o "direito à justiça" às vítimas do regime militar bem como defendem o "direito à verdade" sobre os fatos ocorridos no período de 1964 a 198511.

Uma inescapável conclusão do conjunto dos depoimentos é a de que, a partir dos relatos de ex-presos políticos e ex-torturados, a imagem da Folha de S. Paulo e do "Grupo Folha" "não saiu bem na foto"... À guisa de ilustração, alguns comentários sobre os vínculos entre o "Grupo Folha" – e, em particular, a Folha de S. Paulo – e o regime posterior a 1964 merecem ser aqui reproduzidos: "Fui preso político do DOI-CODI em São Paulo, em 1972/73, lá os torturadores nos obrigavam a ler o famigerado jornal Folha da Tarde; era uma das formas de tortura, pois o dito periódico trazia sempre manchetes de presos políticos assassinados. Os títulos das manchetes eram sempre os mesmos: 'Terrorista morto atropelado quando fugia da polícia'; ou então, 'terrorista morto quando reagiu à prisão [...]'. Sabíamos que esses 'terroristas' estavam presos no DOI-CODI e saíram mortos de lá. Esse papel sujo e cruel de falsificar a verdade era exercido por um órgão das empresas dos Frias. Esse manifesto veio em boa hora, como contribuição para desmascarar esses [...]";

"Além de se beneficiarem com a ditadura, colaborarem com a repressão, que torturou e matou centenas de brasileiros, a Folha de S. Paulo quer agora destruir a memória nacional. Canalhas no passados, canalhas no presente! Deram um jornal para o DOI/CODI usar como porta-voz do terrorismo de Estado"12;

"A Folha é um jornal hipócrita e covarde, que apoiou a tortura e o terrorismo de Estado e virou 'democrata' quando a ditadura entrou em processo terminal";

"Durante a DITADURA civil-militar, Rose Nogueira, jornalista da Folha de S. Paulo à época, foi presa, grávida, e a Folha a demitiu por abandono de emprego";

Sobre a "revisão histórica" e o papel da mídia, alguns comentários merecem ser destacados: "A primeira vez em que ouvi essa expressão foi nos porões da ditadura, quando os torturadores do DOI/CODI referiam-se ao governo como 'ditamole'";

"Realmente foi branda a ditadura para aqueles que, como os diretores e proprietários do jornal Folha de S. Paulo, dela vergonhosamente se beneficiaram e a ela emprestaram seu apoio político e seus recursos financeiros, possibilitando àquele monstruoso regime a sua longa permanência como a mais duradoura de nossas ditaduras republicanas";

"Fatos lamentáveis como o editorial da Folha de S. Paulo só reforçam minha convicção cada vez maior de que a mídia desinforma [...] só que a Folha de S. Paulo quer ir além, ela quer re-escrever a História. Por isso que há muito tempo não contribuo para a existência desse grupo empresarial, não compro a Folha de S. Paulo, não assino UOL, não compro nem assino Valor Econômico [...]";

"Por essas e outras, cancelei minha assinatura da FSP há alguns anos. Está cada vez mais parecido com a Veja";

"Ainda bem que a Folha de S. Paulo está deixando bem claras suas convicções ideológicas. Como ex-assinante e militante anti-fascista saúdo a coragem do editorialista de plantão e proponho uma campanha democrática pelo cancelamento de assinaturas e boicote a esse periódico".

De forma sintética, os comentários expressos no abaixo-assinado defendem ou constituem-se: em massiva indignação contra a fraudulenta "revisão histórica" expressa pelo neologismo "ditabranda"; em denúncia sobre a colaboração ativa do "Grupo Folha" com os mais violentos aparelhos repressivos da ditadura militar"; em contundente negação da auto-identificação de "jornalismo democrático, imparcial e a serviço do Brasil"; em uma firme defesa da democratização dos meios de comunicação; e, por fim, em enfático apoio à campanha pela abertura imediata dos arquivos da ditadura militar13.

Pode-se concluir que a imagem que, nos últimos tempos, o "Grupo Folha" tem procurado construir sobre seu principal veículo de comunicação – um jornal que, na luta pela redemocratização, esteve na vanguarda da sociedade civil brasileira – foi literalmente desfigurada pelo conjunto dos depoimentos. Por via de conseqüência, muitas vozes no abaixo-assinado defenderam o mote: "Cancelamento das assinaturas do Grupo Folha (FSP e UOL)!"

IV. REPERCUSSÕES E EFEITOS POLÍTICO-IDEOLÓGICOS

Nos primeiros dias de carnaval, o abaixo-assinado passou a ser amplamente divulgado em várias páginas da Internet de conteúdo crítico (de entidades culturais, de jornalistas independentes, fóruns de debates, de entidades sindicais, de partidos políticos e parlamentares de esquerda, blogs de acadêmicos progressistas etc); a partir da Quarta-Feira de Cinzas, as adesões intensificaram-se, pois as pessoas retomavam às suas atividades regulares e normais14.

No plano das repercussões políticas e ideológicas, alguns fatos deveriam ser mencionados e, brevemente, comentados.

IV.1. Na grande imprensa

No plano da grande imprensa, apenas a Editoria da Folha tomou a iniciativa de se manifestar. Enquanto jornalistas – tidos e havidos como "críticos" do regime militar (Jânio de Freitas, Elio Gaspari, Marcelo Coelho e Clóvis Rossi), ficaram quedos e mudos sobre a polêmica aberta pelo abaixo-assinado ("ditadura" versus "ditabranda") –, a Direção do jornal, de imediato, incumbiu o Editor de Política, Fernando Barros e Silva, para atenuar o estrago que começava a afetar gravemente a imagem pública do jornal15. Em pequeno artigo, "Ditadura, por favor" (BARROS E SILVA, 2009), o jornalista reconhecia que o jornal errou ao utilizar o crasso neologismo; mas, reiterando a cantilena da Editoria, não deixou de criticar as esquerdas pelo apoio que têm dado a regimes "ditatoriais" (Hugo Chávez, Fidel Castro etc.). Por sua vez, em seu blog, Marcelo Coelho lamentou o "termo infeliz". Ao afirmar que surgiram "mil protestos contra o uso do termo 'ditabranda'" aludia, ainda que de forma implícita, ao abaixo-assinado da Internet. Ao final, de forma patética, apelava a um entendimento entre a Folha e as esquerdas: "Será que não estamos de acordo quanto ao que significa 'democracia'?" (COELHO, 2009).

Um aparente "recuo" do jornal viria apenas 19 dias após o sinistro Editorial da "ditabranda". Por meio de ardilosa Nota, o Diretor Editorial, Otavio Frias Filho, reconhecia o "erro" e a conotação leviana do uso da noção de "ditabranda". Muito longe de proceder a uma rigorosa e conseqüente autocrítica – que implicaria o jornal desculpar-se em face da ofensa à memória dos brasileiros e brasileiras que foram mortos, torturados ou desapareceram no combate à ditadura militar –, o Diretor Editorial reiterava a fraudulenta versão da "brandura" da ditadura brasileira16. Na mesma direção, um acadêmico foi convocado pelo jornal para apoiar a "revisão histórica" da Editoria. Em "Ditadura à brasileira" (2009), Marco Villa prestou-se a esse trabalho ao afirmar: "O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições para os governos estaduais em 1982" (VILLA, 2009). Fica implícito que, a rigor, a ditadura posterior a 1964 – que jamais é conceituada e analisada pelo historiador – teria existido apenas durante dez anos (1969-1979)17.

IV.2. A publicação do abaixo-assinado: democracia na Folha de S. Paulo?

No mesmo domingo em que o Diretor Editorial redigia sua falaciosa nota, a Folha informou que, nas últimas semanas, circulava na Internet um abaixo-assinado que "contava com mais de 7 000 adesões"; mas, não deixava de arrematar: "[...] cuja autenticidade, porém, não há como comprovar"18. A matéria destacou também que personalidades como Antonio Candido, Oscar Niemeyer, Chico Buarque, entre outros, apoiavam o abaixo-assinado; para demonstrar "isenção", o jornal reproduziu integralmente as quase trinta linhas do texto. No entanto, a meu ver, a explicação desse "democratismo" da Folha deveu-se a duas razões principais: 1) a repercussão e o apoio que alcançou o abaixo-assinado nos meios acadêmicos e intelectuais – particularmente entre aqueles que, com certa freqüência, colaboram com o jornal19 –, certamente levou a Direção Editorial a abrir o jornal aos seus críticos. Sabe-se que dezenas de jornalistas que integram os quadros do jornal – com Mestrado ou Doutorado na Universidade de São Paulo ou na Universidade Estadual de Campinas –, não têm interesse em romper relações com a intelectualidade crítica e de esquerda. Embora pretendam ser la crème de la crème da inteligência brasileira, muitos jornalistas da Folha não podem prescindir da colaboração dos intelectuais progressistas para assessoramentos, sugestões de matérias, entrevistas etc. Não podem nem desejam estes jornalistas prescindir da manutenção de boas e proveitosas relações com os acadêmicos e intelectuais que têm convicções democráticas e são críticos da ordem capitalista.

2) foi também o "clamor da rua" que contribuiu para a decisão da Direção da Folha no sentido de informar seus leitores sobre o fato de que setores da chamada sociedade civil manifestavam-se firmemente contra a equivocada orientação editorial do jornal. Organizado pelo Movimento dos Sem-Mídia, cerca de 400 pessoas – convocadas por diversas entidades do estado de São Paulo20 – reuniram-se na manhã de sábado (em 7 de março de 2009) para um "Ato de protesto contra a 'ditabranda'", diante da sede do jornal. Por cerca de três horas, manifestantes – portando faixas e cartazes denunciando as mortes e os desaparecimentos durante a ditadura militar –, ouviram emocionados depoimentos de ex-presos políticos e lideranças de entidades em defesa dos direitos humanos. Os vários depoentes que discursaram no Ato21– todos eles signatários do abaixo-assinado – foram contundentes na denúncia da ativa colaboração do "Grupo Folha" com a ditadura militar e na crítica à recente "recaída" editorial. Solidariedade aos dois acadêmicos da USP que foram insultados pelo jornal, também foi prestada pelos oradores e pelas pessoas presentes ao ato22.

Como o debate alcançou a rua, a Folha, embora de "forma malandra" – como observou o "blogueiro" Rodrigo Vianna –, obrigou-se a abrir suas páginas aos protestos e à indignação generalizados que se manifestavam em setores da sociedade civil que prescindem do "Grupo Folha" para formar suas opiniões e convicções.

V. A REAÇÃO DA DIRETA DURA E PURA

Como o conjunto da grande imprensa brasileira tem frágeis "telhados de vidro", mas aguçada consciência de classe, nenhum grande veículo de comunicação (rádio, tv, jornais, revistas etc.) atreveu-se a informar a existência do abaixo-assinado ou a noticiar a realização do ato de protesto contra uma publicação concorrente; no entanto, uma honrosa exceção, não poderia deixar de ocorrer. Veio ela em um dos portais da revista Veja. Êmulo do decadente cronista-mor da Rede Globo durante a ditadura militar, Paulo Francis, Diogo Mainardi escreveu, em 26 de fevereiro de 2009, uma crônica que está à altura dos "escritos" (sic) de um companheiro d'armas, o panfletário Olavo de Carvalho. Em "A Vichy do PT", não só aplaudiu o dono da Folha pelos insultos desferidos contra Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato, como também ofendeu os "colaboracionistas do regime [que] publicaram um manifesto de apoio aos dois". Destilando ódio e raiva, o "cão de guarda" de Veja, declarou que "Dalmo Dallari, Maria Rita Kehl, Emir Sader, Renato Janine Ribeiro, Paul Singer e Antonio Candido" são "uma gente caduca, uma gente tacanha, uma gente cabotina" (MAINARDI, 2009)23. Com sua provocação rastaqüera, certamente desejava mais um processo judicial com o qual pudesse se apresentar como uma nova "vítima das esquerdas". Mas, para sua decepção, Benevides e Comparato não tomaram conhecimento das pequenas torpezas escritas pelo sicofanta de Veja.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Registre-se que Carta Capital foi o único órgão da grande imprensa brasileira que deu destaque ao episódio. Revista semanal dirigida por Mino Carta – jornalista que entrou em várias polêmicas com a Folha e, em particular, com o seu Diretor Editorial, Otavio Frias Filho –, Carta Capital concedeu uma página (na edição de 27 de fevereiro de 2009) à Professora Maria Victória Benevides para que esta oferecesse a sua versão sobre o debate em curso24.

Na conclusão de seu artigo, a docente da USP levantou uma questão que é recorrente no interior da cultura política de esquerda: colaborar ou não com a grande imprensa burguesa, particularmente com a Folha? Sua experiência pessoal nesse episódio parece tê-la conduzido a concordar com a jornalista Elaine Tavares – citada no seu artigo – que recentemente escreveu: "Sempre me causou espécie ver a intelectualidade de esquerda render-se ao feitiço da Folha, que insistia em dizer que era o 'mais democrático' ou que 'pelo menos abria um espaço para a diferença'" (Tavares apud BENEVIDES, 2009). Sob esta perspectiva crítica, os quem aceitam a tese de "ocupar espaço" – isto é, a de que é possível "promover a luta ideológica" no interior da grande mídia – não deixariam, no final das contas, de contribuir para legitimar os aparelhos de hegemonia das classes dominantes.

A questão é, certamente, bastante controvertida e continuará aberta no debate dentro das esquerdas brasileiras. No entanto, na opinião da extensa maioria dos signatários do abaixo-assinado não há o que hesitar: a Folha de S. Paulo longe está de ser uma publicação pluralista e democrática. Muitos opinam que a trajetória editorial do jornal e as suas atuais posições ideológicas são dominantemente antipopulares e não-democráticas; não haveria, pois, "espaço" algum a ser ali conquistado. Mais radical ainda é a conclusão de boa parte dos signatários: "Não assinar a Folha de S. Paulo!" Em poucas palavras, seria preciso fazer simultaneamente o combate ideológico e material contra o jornal.

A experiência desse abaixo-assinado revela que é possível questionar e insurgir-se; é possível criar fatos políticos que mobilizem pessoas insatisfeitas com a qualidade da informação difundida pela grande mídia brasileira. O conjunto dos signatários de "Repúdio e Solidariedade", espalhados por todo o país, e os que saíram à rua na capital paulista para protestar contra a Folha manifestaram – de forma clara, firme e contundente – que desejam uma ampla e conseqüente democratização dos meios de comunicação no Brasil.

Por seus objetivos limitados e circunscritos, "Repúdio e Solidariedade" jamais buscou ser uma espécie de "Delenda Folha de S. Paulo!" Em nenhum momento, os organizadores do documento superestimaram os efeitos políticos e ideológicos do documento. No entanto, também não podem deixar de reconhecer que o abaixo-assinado teve um papel ativo – senão, desencadeador – no extenso debate crítico – contra a fraudulenta e infundada "revisão histórica" defendida pela Folha – que ocorreu na mídia alternativa brasileira durante algumas semanas de fevereiro e março de 2009. Talvez o papel simbólico mais relevante desse documento seja o de ter fincado uma bandeira na luta ideológica em torno da memória sobre 1964. No centro dessa bandeira seria reinscrita – como propôs um dos signatários do documento – a antiga consigna: no pasarán. Ou seja, os setores democráticos e progressistas da sociedade brasileira que apoiaram "Repúdio e Solidariedade" afirmam que não aceitarão calados as "falsificações da história" que impliquem o insulto à memória dos que lutaram, foram torturados e morreram na luta pela redemocratização do país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS E SILVA, F. 2009. Ditadura, por favor. Folha de S. Paulo, 24.fev.         [ Links ]

BENIVIDES, m. "Ditabranda" para quem? Carta Capital, São Paulo, 27.fev. Disponível em : http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=3462. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

CANDIDO, A.; GENEVOIS, N.; TELLES JÚNIOR, G.; DALLARI, D.; NIEMEYER, O.; BUARQUE, C.; OLIVEIRA. F.; FERRO, S.; GALVÃO, A.; MAZZEO, A.; BUONICORE, A.; TOLEDO, C.; BATALHA, C.; ALBANO, E.; SADER, E.; SOUZA, F.; FERNANDES, H.; JINKINGS, I.; ALENCASTRO, L.; SILVA, M.; TELLES, M.; LÖWY, M.; SILVA, S.; TROPIA, P. & SILVEIRA, P. 2009. Repúdio e Solidariedade. Abaixo-assinado. Disponível em : http://www.ipetitions.com/petition/solidariedadeabenevidesecomparat/index.html. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

COELHO, m. 2009. "Ditabranda". Blog do Marcelo Coelho, 26.fev. Disponível em : http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/arch2009-02-22_2009-02-28.html#2009_02 -26_06_02_24-10759959-0. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

FON FILHO, A. 2009. #Ditabranda – Aton Fon Filho. Depoimento em vídeo. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=D61i5xyPQcc. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

FREITAS, J. história à brasileira. Folha de S. Paulo, 8.mar. Disponível em : http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0803200912.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

FRIAS FILHO, o. 2009. Folha avalia que errou, mas reitera críticas. Folha de S. Paulo, 8.mar. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0803200907.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

GASPARI, E. 2002. a ditadura escancarada. As ilusões armadas. São Paulo : Companhia das Letras.         [ Links ]

GUIMARÃES, e. 2009. #Ditabranda – Eduardo Guimarães. Discurso em vídeo. Disponível em : http://www.youtube.com/watch?v= E556FUoC-1Q&feature=related. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

LANCELOTTI, j. 2009. Padre Júlio Lancellotti repudia a mídia hegemônica. Discurso em vídeo. Disponível em : http://www.youtube.com/watch?v=4zlooxyzjos. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

MAINARDI, d. 2009. A Vichy do PT. Veja, São Paulo, 26.fev. Disponível em : http://veja.abril.com.br/idade/podcasts/mainardi/integra_260209.html. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

VIANA, r. 2009. Fatos e fotos: "Ditabranda é a porra!". blog Escrevinhador, 8.mar. Disponível em : http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/fatos-e-fotos-ditabranda-e-a-por ra. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

VILLA, M. Ditadura à brasileira. Folha de S. Paulo, Tendências/Debates, 5.mar. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0503200908.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

OUTRAS FONTES

Limites a Chávez. 2009. Folha de S. Paulo, Editoriais, 17.fev. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702200901.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

Nota da redação. 2009. Folha de S. Paulo, Painel do Leitor, 20.fev. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2002200910.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

Recebido em 2 de fevereiro de 2009.
Aprovado em 25 de fevereiro de 2009.

Caio Navarro de Toledo (cntoledo@terra.com.br) é Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e Professor Colaborador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
1 Formados pelo Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), à época localizado na Rua Maria Antônia, suas vidas foram sacrificadas pela ditadura militar assassina
2 Por ocasião da última revisão desta crônica, em 19 de maio de 2009, eram 8 188 os signatários do abaixo-assinado.
3 Na forma de anexo, o abaixo-assinado é publicado ao final deste artigo. Da minha perspectiva, o caráter crítico do texto é incontestável; sua clara e definida orientação progressista e democrática não faz concessões à retórica moralizante ou corporativista que, com muita freqüência, caracterizam alguns abaixo-assinados que manifestam "solidariedade" a personalidades da vida política ou cultural.
4 Nas palavras do Diretor Editorial, as formulações indignadas de Benevides e Comparato – colaboradores ativos do jornal, particularmente desde a campanha das "diretas já" – eram "cínicas e mentirosas" (Nota da redação, 2009).
5 Sabe-se que, atualmente, nos meios acadêmicos progressistas, muitos não lêem o jornal ou deixaram de assiná-lo nestes últimos tempos. No entanto, como é o caso do autor, alguns não deixam de, gratuitamente, consultar o jornal impresso – via o provedor UOL – posto que a Folha de S. Paulo não deixa de ter presença ativa no debate político no Brasil contemporâneo.
6 Alípio Freire, Augusto Buonicore, Eleonora Albano, Emir Sader, Heloisa Fernandes, Ivana Jinkings e Patrícia Trópia tiveram, desde o início, atuante papel na realização do abaixo-assinado, por meio de idéias, sugestões e comentários.
7 Uma signatária assim manifestou-se: "Não tive o privilégio de lutar contra a ditadura. Não faço parte do rol de intelectuais que assinam este manifesto. Mas sou uma brasileira indignada com o avilte aos brasileiros e brasileiras que morreram/desapareceram lutando por liberdade, por democracia".
8 Em nota, os responsáveis pelo abaixo-assinado solicitavam que os signatários se identificassem (nome completo, profissão etc). No entanto, nem todos informaram suas respectivas atividades profissionais.
9 Se a maioria parece ser composta de profissionais liberais, algumas signatárias identificaram-se como donas de casa; uma destas comentou: "Ex-comerciante, atualmente aposentada, dona de casa indignada".
10 Sobre a questão da tortura, um depoimento impõe aqui ser reproduzido: "Psicólogo, psicanalista, mestre em lingüística, interessado naquele período político e tendo atendido por anos parente de vítima fatal de tortura na ditadura, assisti a corrosão grave na mente e no corpo dos parentes – algo correlato, em sentido psicanalítico, da hemorragia da vida do torturado pelos paus de arara, choques e outras perfídias que caracterizaram aquelas relações de poder".
11 Alguns "intrusos" ou provocadores de direita buscaram infiltrar-se no abaixo-assinado. Um deles emitiu um "comentário" que revela bem a visão dos que ainda têm saudades da ditadura militar: "Cambada de filhos da puta, vocês merecem mesmo é serem seqüestrados e ter pedaços de suas orelhas arrancadas". Dada a natureza deste abaixo-assinado – que não é um site de debates –, opiniões semelhantes a esta foram suprimidas pelo administrador do Ipetition
12 Sobre o episódio dos carros cedidos à repressão, um outro signatário utilizou-se de ácido humor: "Rural-Willis ano 1970, relíquia da ditabranda, pequenas manchas de sangue no banco de trás. 3224-4000. Tratar com Frias". Desconhece-se até o momento, por parte do jornal, uma negação da informação que se encontra no livro de Elio Gaspari, A Ditadura Escancarada; o atual e prestigiado colaborador da Folha afirma que "carros da empresa eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos em busca de 'pontos' [...]" (GASPARI, 2002, p. 395). A este respeito, ainda, é bastante convincente e esclarecedor o depoimento do ex-preso político Aton Fon Filho (2009).
13 Em virtude do espaço, deixamos de reproduzir alguns dos comentários sobre estes dois últimos pontos. Vários signatários manifestaram-se de forma veemente contra a "imprensa marrom", hoje representada pela revista Veja (Grupo Abril), nunca esquecendo do papel golpista de O Globo, O Estado de S. Paulo etc. De outro lado, militantes e ativistas na defesa dos direitos humanos, ex-presos políticos e familiares de desaparecidos e várias outras pessoas defendem no abaixo-assinado a abertura imediata dos arquivos da ditadura militar.
14 De um pouco mais de 2 000 na quarta-feira, as assinaturas, no sábado à noite, chegaram ao número 6 000.
15 No blog de Marcelo Coelho, no UOL, o influente jornalista do Conselho Editorial da Folha, reconhecia que "o resultado, para a Folha, foi ruim em termos de imagem e de relações públicas [...]" (COELHO, 2009; sem grifos no original).
16 Nas palavras do proprietário da Folha: "Foi [a ditadura brasileira] menos repressiva que as congêneres argentina, uruguaia e chilena – ou que a ditadura cubana, de esquerda" (FRIAS FILHO, 2009).
17 Jânio de Freitas – que durante 19 dias também deixou de se pronunciar sobre a polêmica em curso, em artigo no domingo ("História à brasileira"), foi contundente na crítica a Marco Villa (FREITAS, 2009). Ficou evidenciado, pois, que Jânio de Freitas e Elio Gaspari, articulistas que nunca pouparam denunciar os "crimes da ditadura militar", preferiram não fazer reparos públicos à editoria da Folha Continua, pois, válido o truísmo: liberdade de imprensa raramente é possível nos quadros da liberdade de empresa...
18 O formato do iPetition exige a identificação do signatário (via endereço eletrônico) e impede que uma pessoa duplique sua assinatura. Ao insinuar que foi "inflado" de forma fraudulenta, a nota da Folha apenas revela que o jornal ficou incomodado com o número de adesões obtidas pelo abaixo-assinado.
19 Entre os intelectuais e acadêmicos signatários que a Folha distingue e reconhece – na forma de convite para diferentes tipos de colaborações –, estariam: Antonio Candido, Alfredo Bosi, Francisco de Oliveira, Luiz Costa Lima, Luiz Felipe de Alencastro, Michel Löwy, Olgária Matos, Oscar Niemeyer, Otília Arantes, Paulo Arantes, Paul Singer, Renato Ortiz, Ricardo Antunes, Sérgio Adorno, Walnice Galvão etc. De outro lado, sabe-se que outros acadêmicos, particularmente da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), freqüentadores das páginas do jornal – por razões que não são difíceis de imaginar –, adotaram um respeitoso silêncio diante do abaixo-assinado.
20 Entre as entidades que participaram da convocação do ato, destacavam-se o Fórum Permanente ex-presos políticos de São Paulo, várias organizações de defesa dos direitos humanos e de movimentos sociais populares (de mulheres, de negros, indigenistas etc.), além de mais de seis sindicatos (com destaque para o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), quase uma dezena de Centros Acadêmicos de escolas de ensino superior da cidade de São Paulo e jornais alternativos (Caros amigos, Brasil de Fato etc).
21 Os depoimentos estão no YouTube – destacamos três deles: Padre Júlio Lancelotti (2009), Aton Fon Filho (2009) e Eduardo Guimarães (2009).
22 No blog Escrevinhador, informa Rodrigo Vianna: "A Folha mandou um fotógrafo e dois repórteres para cobrir o ato. Mas, na edição impressa de domingo, não havia propriamente uma reportagem sobre o protesto. Foi uma cobertura malandra, sem fotos, sem a declaração de nenhum dos presentes" (VIANNA, 2009). Alguns dias antes, o blog publicou, sob o título Por que a Folha não publica cartas de Ivan Seixas?, uma extensa matéria. Ilustrada com uma foto chocante que mostrava os profundos hematomas no rosto de seu pai, Joaquim Alencar de Seixas – advindos de sessões de tortura na OBAN/DOI –, Ivan Seixas, interpelava Otávio Frias Filho pela posição editorial da Folha. No texto, Ivan Seixas afirma ter visto viaturas do jornal na porta da OBAN/DOI-CODI – onde seu pai foi morto – e que esses carros eram utilizados para transporte de presos políticos.
23 A rigor, o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da USP, foi citado indevidamente, pois não foi signatário do abaixo-assinado.
24 Como já foi observado, vários blogs manifestaram-se criticamente durante esse episódio; no entanto, devemos reconhecer que o Portal Vermelho, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi quem – nos meios de esquerda – não apenas tomou a primeira iniciativa de divulgar o abaixo-assinado, como também de abrir sua página para o debate contra a injustificada "revisão histórica" feita pela Folha.

ANEXO

REPÚDIO E SOLIDARIEDADE

Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio à arbitrária e inverídica "revisão histórica" contida no editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar "ditabranda" o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo "ditabranda" é, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964.

Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a "Nota de redação", publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta às cartas enviadas à seção "Painel do Leitor" pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis à atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante às insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.

Pela luta pertinaz e conseqüente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.

 

O Muro

O mito da queda do muro (II)

O efeito principal da queda do muro talvez se situe além-fronteiras, como previu o historiador inglês Eric Hobsbawn ainda quando caía o pano sobre o socialismo soviético. A quebra da bipolaridade foi sucedida pela hegemonia implacável de uma só potência, os Estados Unidos. As instituições que serviam como espaços reais de negociação entre os dois sistemas perderam importância e foram socavadas pelos interesses de Washington. A geopolítica da paz armada, derrotada, deu lugar à geopolítica da guerra de conveniência. O artigo é de Breno Altman.

A propaganda moderna é um moedor de cérebros. Especialmente quando se trata do estabelecimento de valores, idéias e informações a serviço dos detentores do poder político, econômico e midiático. A queda do Muro de Berlim talvez seja o caso mais proeminente desse arrastão mental. Forjou-se, sobre esse tema, um senso comum de amplo espectro.

À derrubada do muro famoso passaram a estar associadas imagens de liberdade, irmandade, felicidade, prosperidade. Tudo o que antes existia, na banda oriental, virou símbolo cinzento de autoritarismo, atraso, desespero, violência. Há poucos registros, como a queda do muro, de um evento que tenha sido celebrado por forças políticas e culturais tão diversas.

A euforia da direita era natural: o episódio marcava, afinal, o desfecho vitorioso de um longo processo de antagonismo, iniciado a partir da revolução russa. Para importantes setores de esquerda, por outro lado, soava a hora de se afastar definitivamente de qualquer vínculo com a primeira experiência socialista e buscar espaço no admirável mundo novo que se anunciava. Muitas vezes às custas de renegar sua própria história.

Mas, depois de vinte anos, há uma pergunta simples parada no ar: o mundo está melhor ou pior que em 1989? Qualquer resposta respeitável sobre o tema está obrigada, no mínimo, a substituir o discurso da esperança e a denúncia do sistema derrotado pela análise dos fatos concretos que sucederam e consolidaram essa formidável virada no cenário internacional.

A primeira faceta a analisar é a economia, terreno no qual o capitalismo restaurado mais prometia. A revista Forbes ganhou um punhado de novos ricos para sua lista tradicional, que tomaram de assalto antigas companhias e ativos estatais, mas o cenário geral é aterrador.

Depressão pós-socialista
Utilizemos, como referência, a Comunidade dos Estados Independentes (formada pelos antigos países que compunham a União Soviética, menos Lituânia, Estônia e Letônia), principal núcleo do sistema socialista. De 1989 a 2008, segundo dados do Fundo Monetário Internacional, sua participação na economia mundial decaiu de 7,7% para 4,6%. Na primeira década pós-muro seu PIB decaiu 39,50%, com sete anos seguidos de recessão. Apenas em 2007 sua economia atingiu o mesmo patamar de 1989.

Enquanto o planeta, em média, cresceu 89,9% desde o ano zero do colapso soviético, a CEI engordou sua produção em tristes 9,60% no mesmo período. Sua indústria e agricultura foram arruinadas, com perdas mais significativas que durante a 2ª. Guerra Mundial. Recuperou-se nos últimos dez anos graças à exportação de petróleo, cujos preços se multiplicaram por dez entre 1999 e 2007. Mas a depressão pós-socialista esfacelou com a cadeia produtiva.

Esse é o cenário da imensa maioria das nações que compartilhavam, com a URSS, do projeto interrompido em 1989. Mesmo os países que se recuperaram melhor da transição capitalista (como República Checa, Eslovênia, Polônia e Hungria) tiveram taxas de crescimento abaixo da média mundial nesses vinte anos.

As conseqüências sociais desse terremoto foram retumbantes. O ciclo depressivo combinou-se com uma formidável concentração da renda. Adotemos como critério o índice Gini, mundialmente aceito para avaliar disparidades nos ingressos dos cidadãos: os indicadores oscilam entre 0 e 1, da equidade absoluta à desigualdade total. A Federação Russa, em 1991, apresentava um índice de 0,271. Dezessete anos depois, em 2008, a concentração de renda bateu em 0,415.

Na antiga União Soviética, tomando por base o ano de 1989, os 10% mais ricos ganhavam três vezes mais que os 10% mais pobres. Menos de vinte anos se passaram e essa distância mais que decuplicou. Nos países que compõem a CEI, os 10% mais ricos ganhavam quarenta vezes mais que os 10% mais pobres em 2007. Atualmente mais de metade da população ganha 65% ou menos da média do salário nacional, enquanto 13% dos trabalhadores vivem com salários inferiores a cem euros, para uma cesta básica avaliada em €170. São todos dados oficiais do Banco Central russo.

Liberdades civis
O descalabro econômico e a ruptura do equilíbrio social provocaram regressão em múltiplas frentes. O efeito mais impressionante talvez seja na expectativa de vida, que caiu sete anos entre 1990 e 1994. O declínio das antigas repúblicas soviéticas provocou uma súbita elevação da violência urbana e das doenças cardiovasculares logo nos primeiros cinco anos da restauração capitalista, em um contexto de deterioração da rede sanitária.

Possivelmente o único terreno no qual se possa identificar algum avanço é o das liberdades civis, antes fortemente restringidas pelo tipo de governo adotado em resposta ao cerco político, econômico e militar ao qual foi submetido o campo socialista desde 1917. As pessoas têm, em tese, direitos mais amplos de expressão, reunião e movimento. Mas o monopólio da riqueza, na maior parte dos casos, faz desses direitos uma mera formalidade legal.

No período histórico anterior, apenas o Partido Comunista e a rede de organizações que dirigia tinham, por exemplo, permissão para criar jornais e outros veículos de imprensa.

Agora essa possibilidade, constitucionalmente franqueada a qualquer cidadão, só pode ser exercida por quem reúne poder econômico. Isso para não falarmos do papel das máfias e do autoritarismo oligárquico pós-socialista.

Os fundos públicos outrora destinados para a produção cultural, muito criticados no ocidente por seu dirigismo estatal, foram praticamente destruídos e trocados por uma liberdade individual quase ilimitada, o que seria motivo de felicidade. Mas uma multidão de artistas, escritores e produtores, vaga pelas ruas sem acesso a recursos para desenvolver seu trabalho.

Podem fazer o que quiserem, mas muito pouco do querem pode ser feito. O fato é que a ditadura do mercado fez desses países uma sombra do que já representaram e restringiu, por regras econômicas, o acesso popular aos bens e serviços culturais.

O efeito principal da queda do muro, porém, talvez se situe além-fronteiras, como previu o historiador inglês Eric Hobsbawn ainda quando caía o pano sobre o socialismo soviético. A quebra da bipolaridade foi sucedida pela hegemonia implacável de uma só potência, os Estados Unidos.

As instituições que serviam como espaços reais de negociação entre os dois sistemas perderam importância e foram socavadas pelos interesses de Washington. A geopolítica da paz armada, derrotada, deu lugar à geopolítica da guerra de conveniência. A Casa Branca ficou com as mãos livres para defender seus propósitos – como o fez na Iugoslávia, no Iraque e no Afeganistão – e atropelar a ordem mundial.

Onda de racismo e exclusão
Os trabalhadores ocidentais, que durante quatro décadas puderam obter importantes conquistas associando seu poder sindical e político à pressão externa exercida pelo socialismo, se viram enfraquecidos de uma hora para outra. Muitos de seus direitos acabaram decepados na esteira da reorganização capitalista, quando o risco de perder o comando sobre estados e sociedades deixou de tirar o sono das elites mundiais.

O movimento de descolonização, impulsionado pelo escudo oferecido pela União Soviética, bateu contra a parede. Bloqueou-se a possibilidade de vias independentes de desenvolvimento, apartadas da lógica ditada pelas grandes potências. As nações mais pobres, especialmente as da África e
América Latina, enfraquecidas com o modelo de privatização e internacionalização de suas economias, incrementaram a exportação de pessoas em uma escala inédita – devidamente respondida pelos países ricos com uma nova onda de racismo e exclusão.

No momento em que esse mundo unipolar pós-Berlim entra em crise e as forças progressistas parecem retomar sua capacidade ofensiva em algumas partes do planeta, não é o caso de tomar os dados e fatos aqui narrados como discurso de ressurreição. A experiência soviética fracassou, e ponto.

Não foi capaz, por seus erros e dificuldades, de se apresentar como uma alternativa suficientemente poderosa e eficaz para substituir o capitalismo.

Outros caminhos deverão ser desbravados. Processos distintos serão vividos. A questão é que, até para buscar novas saídas, faz-se necessário acertar contas com os vitoriosos de 1989 e desnudar seus feitos reais, tão reveladores da natureza de um sistema anunciado como o fim da história.

Breno Altman é jornalista e diretor de redação do Opera Mundi

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16257&boletim_id=619&componente_id=10347

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Tuma e Maluf acusados pelo Ministério Público Federal

Procuradoria ajuiza ação contra Tuma e Maluf por ocultação de cadáveres na ditadura

da Folha Online

O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou hoje duas ações na Justiça Federal pedindo a responsabilização do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) e do senador Romeu Tuma (PTB-SP) pela ocultação de cadáveres de desaparecidos políticos no período da ditadura, nos cemitérios de Perus e Vila Formosa. Veja íntegra da ação

De acordo com a Procuradoria, a ação inclui autoridades e agentes públicos civis e da União, Estado e município de São Paulo.

Maluf, por exemplo, foi prefeito de São Paulo de 1969 a 1971. Tuma foi chefe do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) entre 1966 e 1983.

A ação também pede a responsabilização pessoal do ex-prefeito de São Paulo Miguel Colasuonno (1973-1975), do ex-chefe do necrotério do IML (Instituto Médico Legal) Harry Shibata e do ex-diretor do serviço funerário municipal Fabio Barreto (1970-1974).

Na ação, a Procuradoria pede que os cinco sejam punidos com a perda das funções públicas ou das aposentadorias. Pede ainda que eles sejam condenados a pagar uma indenização de 10% do patrimônio pessoal para reparação de danos morais coletivos.

De acordo com o Ministério Público, desaparecidos políticos foram sepultados nos cemitérios de Perus e Vila Formosa de forma totalmente ilegal e clandestina, com a participação do IML, do Dops e da prefeitura.

Identificação

Na segunda ação civil (leia íntegra) proposta hoje, o Ministério Público Federal pede a responsabilização das pessoas físicas e jurídicas que contribuíram para que as ossadas de mortos e desaparecidos políticos localizadas no cemitério de Perus permanecessem sem identificação.

São demandados na ação a União, o Estado, a Unicamp, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade de São Paulo e mais cinco pessoas, a maioria legistas.



O Ministério Público Federal em São Paulo ingressou nesta quinta-feira na Justiça Federal com duas ações civis públicas para que sejam responsabilizados agentes públicos da União, Estado e prefeitura por ocultação de cadáveres nos cemitérios de Perus e Vila Formosa. Os cadáveres seriam de opositores do regime militar instaurado no País a partir de 1964.
Entre as autoridades, o MPF recomenda a responsabilização do delegado e hoje senador Romeu Tuma e do ex-prefeito da capital paulista Paulo Maluf. Além deles, do médico legista Harry Shibata, ex-chefe do necrotério do Instituto Médico Legal de São Paulo; , atualmente deputado federal, e Miguel Colasuonno (gestão 1973-1975), e de Fábio Pereira Bueno, diretor do Serviço Funerário Municipal entre 1970 e 1974.
A pena recomendada pelo MPF é de perda de suas funções públicas e/ou aposentadorias. Caso sentenciados, os mandatos atuais de Tuma e Maluf não seriam afetados, pois a Constituição impede a perda de mandato em ações civis públicas. Além das medidas administrativas, o MPF pede a indenização de, no mínimo, 10% do patrimônio pessoal de cada um, revertidos em medidas de memória sobre as violações aos Direitos Humanos ocorridos na Ditadura.
Procurada, a assessoria do deputado Paulo Maluf afirmou que consultaria seus advogados antes de se pronunciar. O gabinete do senador Romeu Tuma afirmou ainda não ter sido comunicado da ação.
Segundo o MPF, desaparecidos políticos foram sepultados nos cemitérios de Perus e Vila Formosa em São Paulo, de forma totalmente ilegal e clandestina, com a participação do Instituto Médico Legal, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e da Prefeitura.
Responsabilidades
Como diretor do Dops, o senador Tuma formalizou prisões feitas ilegalmente pelo Exército brasileiro e fazia inquéritos policiais. No Dops, ocorriam novos interrogatórios, segundo a ação, "em regra sob tortura".
Haveria registros de que pelo menos 36 presos passaram pelo DOPS e há documentos que mostram que Tuma tinha conhecimento de várias mortes ocorridas sob a tutela de policiais, mas não a comunicou a familiares dos mortos, o caso, por exemplo, de Flávio Molina, morto em 1971.
O legista Harry Shibata, por sua vez, teria assinado inúmeros laudos necroscópicos, atestando falsamente causa mortis incompatíveis com os reais motivos dos óbitos de inúmeros militantes políticos, ignorando, muitas vezes, lesões de tortura, casos, por exemplo, dos desaparecidos Vladimir Herzog e Sônia Angel Jones.
A maioria dos laudos de Shibata era feita no nome de guerra dos militantes, apesar de o aparato estatal conhecer suas reais identidades. O legista chegou a ter o registro de médico cassado pelo Conselho Federal de Medicina.
Paulo Maluf foi prefeito de São Paulo durante a fase mais grave da repressão, tendo ordenado a construção do cemitério de Perus, projetado especialmente para indigentes e que tinha quadras marcadas especificamente para "terroristas".
Sob a gestão de Colasuonno, o cemitério de Vila Formosa em 1975 foi reurbanizado, destruindo a quadra de indigentes e "terroristas", o que praticamente impossibilita qualquer identificação de militantes naquele local

Ainda o Muro de Berlim


FALTA UM TIJOLO NO MURO
Mair Pena Neto

As comemorações dos 20 anos da queda do muro de Berlim são mais do que justas, pelo horror daquela construção dividindo uma cidade e aprisionando pessoas, mas faz falta nas matérias divulgadas pela imprensa uma referência clara ao que veio depois daquele período e suas conseqüências.

A história tem seus ciclos e ao da guerra fria, sucedeu o triunfo do capitalismo, bradado pelo então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e sua expressão neoliberal, inspirada pelo Consenso de Washington, formulado dois meses depois da queda do muro. O Ocidente, vencedor e absoluto, sentiu-se em condições de ditar ao mundo as suas regras econômicas, e elas vieram em forma de 10 mandamentos: redução dos gastos públicos, privatização das estatais, desregulamentação do mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto sem restrições, disciplina fiscal, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado e direito à propriedade intelectual.

O capitalismo deixava de lado as conquistas sociais democráticas necessárias quando precisou se contrapor ao socialismo no pós-guerra para assumir novamente uma face selvagem e benéfica apenas aos detentores do capital. O Estado teria que reduzir seu tamanho e isso implicava abrir mão até de seus compromissos com a educação e a saúde.

Foi o tempo do Deus mercado. Os capitais podiam e deviam transitar livremente sem que os Estados esboçassem reação. No discurso, seriam capitais de investimento, mas, na prática, reveleram-se muito mais capitais especulativos, que atacavam as nações e sua moedas sem pudor.

Adotado como política do Fundo Monetário Internacional em 1990, o Consenso de Washington foi aplicado sem distinção em todo o mundo pobre ou em desenvolvimento. Suas propostas tiveram que ser acatadas na África, na Ásia e na América Latina. O capital estava livre para circular; as pessoas, não, naturalmente.

A onda neoliberal varreu o planeta e quem se colocasse contra ela era jurássico, como definiu um de seus defensores, o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. Na América Latina, foi a era de FH, no Brasil; Carlos Menem, na Argentina; Carlos Andrés Pérez, na Venezuela, e Sanches de Lozada, na Bolívia, entre outros, todos encantados com o tratamento de choque dos ajustes macroeconômicos. Por mais que os problemas fossem evidentes, estes países eram muito elogiados pelo FMI por seguirem direitinho o receituário.

Mas não tardaram a vir as crises. Na Ásia, na Rússia, no México e na Argentina. E com elas a quebra desses países. O PIB da Rússia caiu 30%, o peso mexicano desvalorizou-se em 60%, a Argentina foi ao chão e a população aderiu ao escambo como forma de sobrevivência. O capital financeiro fugiu em massa desses países, agravando uma crise que esteve bem perto de um colapso mundial.

O FMI saiu em socorro de um modelo que dava sinais de esgotamento e aumentou o endividamento externo dos países, que apostavam nos mandamentos recomendados para se desenvolverem. O crescimento prometido não veio e a insatisfação popular cresceu.

Mais uma vez voltando à América Latina, Menem responde a processos até hoje, Andrés Pérez sofreu impeachment e Sanches de Lozada fugiu para os Estados Unidos. Com Fernando Henrique, que foi duas vezes de pires na mão ao FMI e entregou o país com um endividamento quintuplicado, nada aconteceu. Talvez pela cordialidade brasileira está aí até hoje falando em subperonismo e aplaudido por meia dúzia de saudosistas.

Todos estes governos foram sucedidos por presidentes com propostas antagônicas. O Estado retomou seu papel, os investimentos públicos aumentaram, privatizações foram interrompidas e houve crescimento.

Apesar do fracasso neoliberal e das regras do Consenso de Washington, o modelo que triunfou após a queda do muro não morreu com as crises dos anos 90. Foi preciso um novo abalo mundial, provocado pela liberdade absoluta do capital financeiro e sua irresponsabilidade, para que novas regras fossem pensadas.

O mundo deixou de ser do G7 para ouvir o G20, no qual se encontram várias vítimas das crises dos 90. O FMI , quem diria, prepara proposta para taxar bancos e criar fundo anticrise. Enfim, a história deu mais uma volta que precisa ser lembrada nessas celebrações do fim do muro de Berlim.
 

Publicada em:11/11/2009

http://www.diretodaredacao.com/