A discussão sobre a distribuição dos royalties do petróleo da camada pré-sal está carregada de boa dose de confusão e irracionalidade. O nervosismo foi agravado a partir da visita do governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, ao presidente Lula, na qual ele pressionou o chefe da nação para que os estados produtores recebessem os royalties com base nas regras vigentes atualmente. Bem ao seu estilo, Lula deixou a comitiva do governador Cabral acreditar que as suas reivindicações seriam atendidas, induzindo os políticos cariocas a não se empenharem em articular apoios no Congresso Nacional em favor dos seus interesses.
Ao tramitar na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5.938/09 recebeu uma emenda patrocinada pelo deputado Ibsen Pinheiro, que introduz modificações na distribuição dos royalties, diminuindo os valores dos estados produtores e aumentando os valores dos demais estados brasileiros. Os governadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo tiveram reação indignada, mobilizaram a população e denunciaram as perdas para seus estados, chegando ao extremo de afirmar que, se mantida a emenda Ibsen Pinheiro, a Copa do Mundo e a Olimpíada no Rio de Janeiro estariam comprometidas.
Há alguns pontos que precisam ser esclarecidos para ajudar na compreensão do problema. Em primeiro lugar, as reservas de petróleo são propriedades da União, ou seja, de todo o Brasil. Logo, é justo que toda a população seja beneficiada com a exploração dessas e de outras reservas minerais. Valores maiores de royalties para os estados onde ficam as reservas, em relação aos valores do resto do país, são defensáveis sob determinadas condições. A primeira condição refere-se à compensação devida aos estados produtores em função de investimentos em infraestrutura que eles farão para que as atividades petrolíferas sejam realizadas. A segunda condição está ligada à indenização devida em função da subtração de espaços territoriais e prejuízos para as atividades dos estados produtores. Exemplo dessa condição é o que ocorreu com Itaipu, que inundou terras férteis dos municípios próximos à usina, os quais tiveram sua economia prejudicada, sendo justa, portanto, alguma reparação. A terceira condição para o pagamento de compensação aos estados produtores tem ligação com os danos ambientais provocados pela exploração das reservas.
Os benefícios advindos da exploração de qualquer riqueza que a natureza deu ao país, independentemente de onde elas estão situadas, devem atingir toda a população. A Constituição Federal é clara: as reservas pertencem à União; isto é, pertencem à "união" de todos os estados brasileiros. Repita-se que aos estados produtores, como é o caso do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, é justo um valor adicional para compensar os investimentos, os prejuízos à sua economia (se houver) e os danos ambientais. A dificuldade está em definir o tamanho desse adicional. Em toda a polêmica levantada, um ponto não está claro: qual deve ser o valor adicional a ser pago aos estados produtores, a título de royalties, sabendo que o petróleo do pré-sal será extraído no mar, a mais de 100 milhas da costa de tais estados? Se ficar claro que, por estar o petróleo no mar, tais estados nem terão de fazer investimentos nem sofrerão danos ambientais, então não existirá compensação para cobrir custos vinculados a esses pontos.
É razoável admitir-se o pagamento de alguma compensação pelo fato de as reservas se situarem nos domínio dos estados produtores. Mas, nesse caso, o cálculo tem de ser diferente daquele que é feito para a exploração de petróleo em terra. Um dos argumentos dos cariocas é que o Rio de Janeiro já foi prejudicado quando a Constituição de 1988 definiu que o ICMS sobre petróleo e energia fosse pago no destino de consumo, e não no local de produção, como ocorre com os demais produtos. O Paraná está entre as vítimas dessa exceção, já que a energia de Itaipu tem seu ICMS pago nos estados onde ela é consumida e não no Paraná, onde é produzida. Todavia, se a regra do ICMS foi um erro, é preciso corrigi-lo, e não usar os royalties do petróleo para reparar os estados prejudicados por tal regra; mesmo porque os estados produtores de petróleo seriam reparados, mas o Paraná, por exemplo, por não produzir petróleo, continuaria vítima da regra que manda cobrar o ICMS sobre energia no local de consumo.
Talvez a solução para o petróleo extraído em alto mar não seja a grande parcela que o governador Sergio Cabral quer, nem a fórmula da emenda Ibsen Pinheiro, mas sim uma solução intermediária que distribua a riqueza a todos os brasileiros e dê um valor adicional aos estados produtores pelas reservas que estão sob sua jurisdição.
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=984741&tit=A-polemica-dos-royalties
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