terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Resistência

Sobre Resistência e Grades

 
Livro de Maurice Politi conta a história da greve de fome realizada pelos presos políticos em 1972
 
Por Rui Veiga
 
A violência de Estado contra o cidadão brasileiro, preconizada dentro do espírito da Doutrina de Segurança Nacional, constituiu-se em prática cotidiana dos Governos Ditatoriais Cívis-Militares instalados no Brasil em 1964, processo aprofundado após a promulgação do AI - 5 em dezembro de 1968. Mais que isso, pôs nua a falácia dos principais argumentos de que em nosso país as questões políticas sempre se resolveram através do diálogo.
 
Uma das facetas repressoras do mencionado estado ditatorial, que sempre tratou questões políticas e sociais lançando mão do polinômio: forças armadas, polícia, aparatos paramilitares e burocracia, está representada no agora lançado livro de Maurice Politi: "Resistência Atrás das Grades" (publicação conjunta do Núcleo de Preservação da Memória Política - Núcleo Memória) e da Editora Plena, São Paulo, 208 páginas + capas, R$ 25,00). 
 
Esse livro conta um episódio pouco conhecido da resistência à ditadura militar, fato este ocorrido no ano de 1972. Apesar do longo tempo decorrido desde então, a obra de Politi está muito distante de ser uma peça meramente histórica e conivente com o senso comum da índole pacífica da luta política neste país. E, muito menos se coloca como um mosaico de reflexões revanchistas ou saudosista sobre aquele passado. Principalmente, porque este texto revela ao leitor uma forma de luta sucedida dentro das prisões do regime militar, que tinha como foco a contestação a repressão política do estado ditatorial.
 
O episódio - reitera-se – é praticamente desconhecido para a maioria do público. Trata-se de uma batalha política contra um Estado, cujos alicerces se assentavam na tortura, na prisão e na morte de cidadãos, que se recusavam a compartilhar com a natureza violenta e ditatorial e se calar diante da opressão. Sistema que se implantara em nosso país em 1964 e aprofundou-se (expressão cunhada pelo então ministro da fazenda senhor Delfim Netto em seu voto a favor da implantação do AI – 5 em 13 de dezembro de 1968).
 
A greve de fome, peça central deste livro, deflagrou-se de surpresa nos idos de 72 entre os presos políticos de São Paulo, de forma muito bem organizada. Inclusive, talvez seja a primeira forma de luta conjunta utilizada contra a ditadura nas prisões naqueles tempos. Essa ação foi fruto da ação de um grupo grande de presos políticos condenados a longas penas, que estiveram até então confinados no Presídio Tiradentes em São Paulo (uma das muitas masmorras da Ditadura Militar) e foram transferidos para outra prisão.
 
O gesto extremo de protesto se deu em função da política consciente do regime militar em separar os presos considerados "recuperáveis" daqueles que a ditadura achava que eram "terroristas e sem perspectiva de recuperação para a "sociedade" a terem sua transferência à Penitenciária Regional de Presidente Venceslau, situada no extremo oeste do Estado, a 700 km da capital. Alguns dos seis presos transladados* permaneceram em Presidente Venceslau até 1976. 
 
"Resistência Atrás das Grades" resgata com precisão de um arqueólogo, fatos históricos que, embora presentes nas mentes de muitos brasileiros, sistematicamente foram varridos e esquecidos nestes quase 40 anos transcorridos desde 1972. Período no qual a pasteurização cultural trazida pela onda da modernidade conservadora produto da globalização tentou – sem sucesso – apagar todos os sinais das lutas de resistência aos governos militares do conhecimento das gerações posteriores, que não viveram aqueles tempos.
 
À época dos fatos narrados no livro, o autor, um jovem militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), que havia sido torturado no Dops e na OBAN em São Paulo, estava preso e condenado a dez anos de prisão. O texto construído na obra é uma peça de história viva e supera e muito a grande maioria dos escritos, que abordam a temática sobre o período pós AI – 5. Essa superação se dá em conseqüência da forma da narrativa e de seu conteúdo, que combina o lado político e os vieses emocional e humano de uma luta contra a repressão ditatorial vigente durante o Governo Médici (1969-1974).
 
O livro não possui um texto rebuscado, repleto de figuras de linguagem e, tampouco, estará ao gosto de alguns críticos literários (ditos isentos!!??), que em sua sanha diária de apagar as memórias políticas dos anos de então, prestam notórios serviços à desinformação e à alienação deste público brasileiro, ansioso em conhecer sua história política recente. 
 
"Resistência Atrás das Grades" está escrito em um texto direto, totalmente baseado no depoimento direto de um jovem militante prisioneiro e, igualmente, se baseia solidamente sobre documentos da época – alguns destes inéditos e preciosos para a reconstituição daquele momento - recolhidos em diversos arquivos históricos consultados pelo autor. A estrutura narrativa é retirada do próprio manuscrito redigido por Maurice Politi ainda no calor do embate e abrange o período, que se inicia com a eclosão do movimento grevista: 12 de maio de 1972 até seu encerramento em 11 de julho do mesmo ano. Em 9 de junho, os seis presos foram transferidos presídios indo de São Paulo para o Interior. Contém também algumas páginas complementares de escritos da época, porém já quando a greve se encerrara, após os presos que lá se encontravam haverem sido integrados à população carcerária comum.
 
O que apaixona em "Resistência Atrás das Grades" é seu caráter documental elaborado sem preocupações com estilo e linguagem, mas preocupado primordialmente em registrar o momento da luta, seu calor e os fatos que se sucediam. Consiste em um texto sem qualquer outra preocupação que não a de deixar um testemunho dos acontecimentos dentro dos cárceres paulistas durante a ditadura militar. Inclusive, pelo fato do autor (e os demais participantes do movimento) naquele período não ter qualquer certeza sobre seu futuro e sua própria vida, porque a contestação ao governo militar em muitas outras ocasiões assassinara e torturara centenas de brasileiros.
 
Desse modo, temos na obra muito mais que uma preocupação literária ou historicista. No contexto desenvolvido, sente-se uma narrativa, que procura testemunhar na voz de um ator, o próprio Politi, em primeira pessoa, os passos de uma luta política, que apesar de todas as condições desfavoráveis a seus participantes, resultou felizmente vitoriosa.
 
A escrita do autor naquele período, talvez em uma mescla de impulsividade com a necessidade do registro momentâneo revela-se igualmente um documento histórico imprescindível para pesquisadores, estudiosos e cidadãos, que queiram conhecer as entranhas de uma ditadura, que se julgou por um tempo onipresente e onisciente.
 
O texto reflete os sentimentos fortes, as emoções e os naturais receios sobre as conseqüências que os presos rebelados poderiam sofrer nas mãos dos seus carcereiros: juízes militares (como o sinistro Nelson Machado Guimarães); militares e policiais torturadores; guardas de prisão e médicos coniventes com o sistema carcerário vigente. Não se pode esquecer a presença de uma imprensa praticamente cúmplice da Ditadura. Aliás, esta em seu afã de defender a opressão instaurada reproduzia periodicamente em suas páginas, matérias, informes publicitários e artigos criminalizando os revoltosos e os opositores ao regime.
 
Neste último aspecto, o livro de Politi apresenta também um caráter testemunhal da sociedade política (no sentido a esta oferecido por Antonio Gramsci em seu renomado escrito intitulado "Cadernos do Cárcere"). A versão e a óptica áulica sobre a ditadura por parte da imprensa pode ser constatada em edito reproduzido e estampado integralmente no livro de Políti à página 181, em editorial do jornal da Ditabranda (perdão leitores, quero dizer da Folha de S. Paulo), que "demonstrava" a inexistência de presos políticos no país de Médici, de Delfim Netto, do banqueiro Gastão Bueno Vidigal, de Fleury, de Ustra** e outros do mesmo nível. Escrevia assim àquela época (30 de junho de 1972) o jornal dos senhores Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho (também dois dos aliados de primeira hora do Golpe Militar de 1964):
 
"Ninguém neste país ignora também haver, ainda que tão minoritário, que inexpressivo, um pensamento contrário ao Governo e à Revolução...". Os termos governo e revolução eram eufemismos pelos quais os adeptos da ditadura camuflavam o caráter repressivo do Governo Médici.
 
Felizmente a bem da verdade, da história e para os nossos tempos, o livro de Politi desmente na prática tal assertiva tão conforme com os paradigmas dos arautos daquele Poder.
 
* Os sete presos que seriam transferidos eram: Frei Fernando de Britto, Frei Yves do Amaral Lesbaupin, Frei Carlos Alberto Libânio (o Frei Betto), Mário Bugliani, Vanderlei Caixe, Manoel Porfírio de Souza e Maurice Politi. A ordem de transferência foi assinada pelo juiz Nelson da Silva Machado Guimarães da II Auditoria Militar de São Paulo em 7 de junho de 1972. Mário Bugliani por estar muito doente teve sua transferência comutada.
 
**Refere-se ao militar comandante da Operação Bandeirante em São Paulo, Major Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais torturadores do período repressivo.
 
Rui Veiga é jornalista e crítico literário

sábado, 19 de dezembro de 2009

Ruanda


 
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dossiê
GUERRA E CINEMA

O genocídio de Ruanda
Por Fernando Masini


John Hurt em cena do filme "Shooting Dogs", dirigido por Michael Caton-Jones
Reprodução

Dois filmes recentes tratam da matança dos tútsis em 1994, em que mais de 800 mil pessoas foram mortas, sob o olhar indiferente do mundo

"Todos os grandes personagens viraram as costas para nossos massacres. Os boinas-azuis, os belgas, os diretores brancos, os presidentes negros, as pessoas humanitárias e os cinegrafistas internacionais, os bispos e os padres, e finalmente até Deus." A constatação é de Élie Mizinge, um dos assassinos confessos hútus que participaram do massacre em Ruanda.

O depoimento deste e de outros nove hútus que pegaram em facões e porretes a fim de exterminar a etnia tútsi está no livro "Uma temporada de facões: relatos do genocídio em Ruanda", do jornalista francês Jean Hatzfeld, lançado no Brasil em 2005. O autor teve longas conversas com os entrevistados na penitenciária de Rilima, onde todos cumprem pena pelos crimes cometidos durante o massacre.

Sete deles eram jovens amigos de colégio, encontravam-se nos cabarés de Kibungo, região pantanosa próxima à capital Kigali e trabalhavam juntos na lavoura. Impressiona a ferocidade e a franqueza dos relatos. "Primeiro, quebrei a cabeça de uma velha mamãe com uma porretada. Mas, como ela já estava deitada no chão, meio agonizante, não senti a morte em meus braços. Voltei para casa de noite sem nem pensar nisso", revela no livro um dos matadores hútus.

As atrocidades aconteceram há 12 anos -os ataques começaram nos primeiros dias de abril de 1994-, e não houve qualquer tipo de intervenção de órgãos de segurança mundial. As tropas da ONU pouco fizeram e mantiveram postura omissa quanto à possibilidade de salvamento das vítimas.

Keir Pearson, roteirista do filme "Hotel Ruanda", declara no material extra do DVD (disponível no Brasil a partir 20 de abril): "Quando comecei a pesquisar o assunto o que me espantou foi que a ONU sabia o que estava acontecendo, foi alertada, mas houve um esforço consciente do Ocidente em ignorar". No filme, uma cena simboliza bem a impotência das tropas diante da milícia extremista hútu Interahamwe, que comandou a ofensiva contra os tútsis.

Integrantes hútus, amontoados no caminhão e empunhando facões, chegam perto do hotel Mille Collines, onde o protagonista Paul Rusesabagina (Don Cheadle) abriga órfãos e tútsis ameaçados pela matança. Em frente ao portão de entrada, está o coronel Oliver (Nick Nolte) com soldados boinas-azuis da ONU. Os milicianos ficam cara a cara com o coronel e gritam palavras de ordem. Para intimidar, jogam fora do caminhão um capacete azul manchado de sangue com a inscrição "United Nation". Oliver apenas acompanha de longe a arruaça promovida por eles.

Outra tentativa de voltar os olhos ao massacre ignorado à época é o filme "Shooting dogs", do diretor escocês Michael Caton-Jones, que estreou recentemente em Londres e já tem contrato fechado com a distribuidora Imagem Filmes para ser lançado no Brasil em agosto deste ano. Assim como "Hotel Ruanda", a ação desenrola-se em um lugar real que serviu de abrigo aos acossados tútsis: a escola secundária Ecole Technique Officielle, com sede em Kigali.

O padre católico inglês Christopher (interpretado pelo ator John Hurt) e um jovem professor tentam a qualquer custo evitar as matanças na capital Kigali e proteger mais de 2.500 tútsis e hútus moderados que são perseguidos pelas milícias extremistas. Mais uma vez, é realçado o caráter de desamparo das vítimas. Quando chegam as tropas francesas à capital, a ordem é clara: só serão resgatados os estrangeiros brancos. Nas horas seguintes à partida dos soldados, a grande maioria dos abrigados da escola é brutalmente assassinada.

"Eu decidi que, mesmo com dificuldades, nós tínhamos que rodar o filme em Ruanda e filmar na Ecole Technique Officielle. E devíamos também fazer o filme com os sobreviventes do genocídio. Eles precisam contar suas histórias", disse o diretor Caton-Jones. A equipe viajou ao país e passou cinco meses até terminar as filmagens em Kigali. Muitos ruandeses participaram do projeto, como Maggie Kenyama que serviu como assistente de direção. Ela perdeu a irmã durante o massacre e até hoje procura pelo corpo.

"Shooting dogs" teve sua estréia mundial em Kigali. Mais de 1.500 pessoas, dentre elas alguns sobreviventes do genocídio e participantes da produção, foram ao estádio Amahoro, na capital de Ruanda, assistir à primeira exibição do filme. Apesar de gerar discórdias por reavivar memórias de um episódio ignominioso, o presidente ruandês, Paul Kagame, mostrou-se satisfeito. "Filme como este ficará como parte de nossa memória relacionada ao genocídio, e eu acho que a memória precisa ser guardada", disse.


Em busca de respostas

A atenção voltada ao massacre de Ruanda, mesmo que tardiamente, pretende resgatar parte da história que havia sido ignorada e também busca questionar a motivação de uma matança sem precedentes na história mundial contemporânea. Os dois filmes em questão, "Hotel Ruanda" e "Shooting dogs", não encerram o assunto nem estão a serviço de uma tese esclarecedora das ações. No entanto, cumprem o papel de tocar na ferida e açular reflexões.

No começo de "Hotel Ruanda", o operador de câmera de uma emissora de televisão, Jack Daglish, interpretado por Joaquim Phoenix, puxa conversa no bar com um jornalista renomado de Kigali, interpretado por Mothusi Magano. Ele pergunta "qual a verdadeira diferença entre um hútu e um tútsi". O jornalista responde que "segundo os colonos belgas, os tútsis são mais altos e elegantes" e, por fim, diz: "Foram os belgas que criaram essa divisão".

Na tentativa de encontrar no passado alguma resposta que possa elucidar esse conflito entre as etnias, o jornalista francês Jean Hatzfeld, autor do livro "Uma temporada de facões", alerta para a revolução popular de 1959 que resultou na independência do país em 1962. Foi uma revolta camponesa hútu que derrubou a aristocracia tútsi e aboliu a servidão. Os líderes dessa insurreição aproveitaram a situação para marginalizar a comunidade tútsi, formada por camponeses, funcionários e professores.

Sob o domínio dos hútus, os tútsis passaram a ser apontados como pérfidos e parasitas num país superpovoado. Em 1973, com o golpe do major Juvénal Habyarimana, a autonomia de administração hútu consolidou-se e gerou bastante desconforto à população tútsi. Ficou instituído o confisco de bens, o deslocamento da população, a fim de isolar o inimigo, além de ter sido aprovada uma lei de proibição de casamentos mistos entre as duas etnias.

O estopim que pareceu deflagrar definitivamente o conflito aconteceu em 6 de abril de 1994, quando o presidente hútu de Ruanda, Habyarimana, foi morto após a explosão do seu avião. Imediatamente a autoria do atentado recaiu sobre os tútsis. A matança iniciou-se na mesma noite na capital Kigali. O resultado seria um total de 800 mil pessoas –entre tútsis e hútus moderados– mortas em 12 semanas.

Nos depoimentos dos matadores entrevistados por Hatzfeld no livro, tende-se a pensar numa ação premeditada e anterior à morte do presidente. "Em 1991, nos jornais militares o tútsi era apontado como o inimigo natural do hútu que precisava ser eliminado definitivamente. Estava escrito em letras garrafais na primeira página. Com o tempo, o alvo foi sendo pouco a pouco difundido nas estações de rádio", disse um dos hútus que participaram da matança.

Não à toa as primeiras falas do filme "Hotel Ruanda" são ameaças veiculadas numa estação de rádio. Segundo Hatzfeld, as mensagens transmitidas por rádio tiveram papel fundamental para inflamar os ânimos dos assassinos. "Nos estúdios das rádios populares, como a Rádio Ruanda ou a Rádio Mil Colinas, os tútsis são chamados de 'baratas'. Apresentadores famosos, como Simon Bikindi e Kantano Habimana, pregam abertamente a destruição dos tútsis", escreveu o autor.

Até o fim do massacre, por volta de 14 de maio, os hútus, acostumados ao trabalho árduo nos bananais e nos cafezais, haviam trocado as atividades pela rotina de matar diariamente. Como declaram no livro de Hatzfeld, era uma tarefa mais lucrativa, que trazia fartura para dentro de casa, pois não se preocupavam mais com a seca e as colheitas perdidas e acumulavam bens com as pilhagens.

Mesmo os hútus moderados, que não compartilhavam da idéia do genocídio, sofreram ameaças por não colaborarem e alguns foram mortos. Muitos desertores tinham de pagar multas em dinheiro ou eram obrigados a matar como forma de provar sua fidelidade às autoridades policiais. É o que ocorre, em certo momento do filme "Hotel Ruanda", com o personagem Paul Rusesabagina, cuja esposa era tútsi.

Ele implora a um oficial do exército hútu para não matar sua mulher e outros vizinhos tútsis que estão jogados no chão. O militar oferece-lhe a arma e ordena: "atire neles". Paul diz que não sabe usar armas e promete retribuir com dinheiro, caso o oficial deixe os amigos em paz. "Quem hesitasse em matar, por causa de sentimentos de tristeza, tinha de disfarçar suas palavras a todo custo e não dizer nada sobre a razão de sua reticência, sob pena de ser acusado de cumplicidade", disse Pio Mutungirehe em depoimento no livro de Hatzfeld.

Por mais que o autor e jornalista francês tenha se lançado numa obsessão a fim de compreender o genocídio em Ruanda -é seu segundo livro sobre o assunto-, as respostas parecem escorregar entre seus dedos. Um dos entrevistados, Joseph-Désiré Bitero, respondeu-lhe: "A fonte de um genocídio o senhor jamais verá, está enterrada bem fundo nos rancores, sob um acúmulo de desentendimentos dos quais herdamos o último. Chegamos à idade adulta no pior momento da história de Ruanda, fomos educados na obediência absoluta, no ódio, fomos entupidos de fórmulas, somos uma geração sem sorte".

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Fernando Masini
É jornalista.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O "garoto" da ditadura.Torturador e assassino em julgamento na Argentina.

 


 
Carta O Berro.......................................repassem


Leitura, infelizmente, necessária. 

Do blog Os Hermanos, do Estadão, http://blog.estadao.com.br/blog/arielpalacios/ 

12.09

 

 Julgamento de Astiz, astz
O anjo loiro da morte. Retrato do sequestrador quando jovem

O "garoto mimado" da última Ditadura Militar argentina (1976-83), o ex-capitão Alfredo Astiz, está sendo julgado desde a sexta-feira passada por sequestros, torturas e assassinatos de civis durante o regime militar. Conhecido entre suas vítimas como "O anjo loiro da morte" – e também como "O Corvo" - Astiz está sendo acompanhado no banco dos réus por outros 18 ex-integrantes da ditadura – também acusados de crimes durante a ditadura - que operavam com ele no Grupo de Tarefas 3.3.2.

A base do grupo era a Escola de Mecânica da Armada (ESMA), o maior centro clandestino de torturas do regime militar, situado no bairro portenho de Núñez.

Astiz era uma das estrelas da ESMA, já que as missões mais complexas eram encomendadas ao jovem oficial pelos integrantes da alta hierarquia militar.

As estimativas indicam que 5.000 prisioneiros civis passaram pela ESMA, dos quais sobreviveram menos de 170.

Um total de 280 testemunhas comparecerão perante o tribunal, incluindo vários sobreviventes da ESMA. Fontes dos tribunais indicaram que o julgamento de Astiz e seus companheiros poderia prolongar-se por um período de seis meses a um ano.

No primeiro dia de julgamento oral e público Astiz provocou o público levantando um livro que levava consigo. O título: "Voltar a matar".

Entre os outros ex-militares que também estão sendo julgados estão Alfredo Donda Tigel - que sequestrou seu próprio irmão e a cunhada, os assassinou e ficou com suas filhas - além Jorge "El Tigre" Acosta, famoso por estuprar as prisioneiras.

Astiz é considerado o ex-integrante da ditadura com o perfil psicológico mais intrincado. "Ele tinha absoluta certeza que estava destinado a grandes missões em sua vida...ele achava que era um cavaleiro nas Cruzadas!", disse ao Estado Miriam Lewin, uma das sobreviventes da ESMA, ex-prisioneira de Astiz e autora do livro "Esse inferno", sobre a passagem de várias prisioneiras mulheres nesse centro de torturas.

Outra sobrevivente, Sara Osatinsky relatou que o centro da vida do loiro oficial era a ESMA: "em uma ocasião Astiz saiu de férias, mas voltou quatro dias depois, pois havia descoberto que não podia compartilhar suas atividades com os amigos. Por isso passou o resto de suas férias na ESMA, conosco".

Astiz apreciava reunir os prisioneiros para que estes ouvissem suas longas dissertações nas quais argumentava que os africanos eram "racialmente inferiores".

Diversas testemunhas indicam que, enquanto outros repressores somente ficavam na ESMA o tempo suficiente para o "trabalho", Astiz desfrutava do cheiro de urina e fezes que emanava das celas, além dos gritos dos torturados.

Protegido pela cúpula militar, Astiz foi recompensado por seus serviços durante o período mais intenso de repressão com o cargo de governador das ilhas Geórgias durante a Guerra das Malvinas, em 1982. No entanto, essas ilhas foram o primeiro ponto recuperado pelos britânicos durante o conflito bélico.

Após um único tiro de bazuca disparado pelos britânicos, Astiz desistiu de resistir. Com com um copo cheio de whisky em uma das mãos, assinou a rendição incondicional.

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Astiz rende-se rapidamente aos britânicos durante a Guerra das Malvinas

Astiz foi beneficiado em 1986 e 1987 com as leis de perdão aos militares (leis de ponto final e de obediência devida). Solteiro, ao longo dos anos 90 era visto com frequência em discotecas. Mas, por ser reconhecido facilmente, Astiz também foi alvo de freqüentes socos e cusparadas dos jovens que dançavam nesses lugares.

Em 1998 Astiz concedeu sua primeira e última entrevista à imprensa, gerando intensa polêmica. Em declarações à revista "Trespuntos", o ex-capitão definiu-se como "o melhor homem para matar um presidente".

FREIRAS E GARGALHADA
Astiz foi responsável pelo assassinato de três fundadoras das Mães da Praça de Mayo, entre elas, Azucena Villaflor. Ele também é requerido por vários tribunais na Europa. Na Itália, ele foi acusado de ter sido o autor do desaparecimento de três cidadãos italianos em território argentino durante o regime militar.Em 1990 a Justiça francesa condenou o ex-capitão - à revelia - à prisão perpétua pela morte das freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet.

As duas freiras foram sequestradas em uma operação planejada por Astiz, que com suas suas feições de "menino bem-comportado" infiltrou-se na organização de defesa dos Direitos Humanos das Mães da Praça de Maio, fazendo-se passar pelo irmão de um desaparecido. A cara ingênua de Astiz convenceu as Mães, que somente perceberam quem ele era tempos depois. Sob este disfarce, Astiz recolheu informações e decidiu que as duas religiosas idosas deveriam ser eliminadas.

Astiz também é procurado pela Justiça da Suécia, já que durante uma operação para sequestrar militantes de esquerda, ele e seu grupo entraram na casa de uma estudante na Grande Buenos Aires. Ali estava Dagmar Hagelin, uma jovem sueca, amiga da estudante procurada pelos militares. A adolescente fugiu dos repressores e foi derrubada com um tiro certeiro de Astiz na nuca. O oficial, ao comprovar sua pontaria – segundo testemunhas - soltou uma gargalhada.

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Pátio da Esma, com a presença de cadetes e oficiais, nos anos 70

ESMA FOI O MAIOR CENTRO DE TORTURAS DA AMÉRICA DO SUL
Dos 651 campos de concentração da Ditadura, a ESMA tornou-se o mais emblemático. Dentro da cidade de Buenos Aires, a poucos quarteirões do estádio Monumental de Núñez, foi o cenário das torturas mais cruéis do regime militar.

A ESMA, segundo o jornalista e analista político Eduardo Aliverti, era "um clube de perversão".

Enquanto que nos outros campos de concentração os militares recorriam a métodos "clássicos" como o fuzilamento, na ESMA os oficiais da Marinha, "eliminavam" os prisioneiros por meio dos "vôos da morte". Esta era a denominação da modalidade de jogar os prisioneiros dos aviões em pleno voô sobre o rio da Prata ou o Oceano Atlântico.

A ESMA também contava com um armazém onde eram acumulados os objetos saqueados dos prisioneiros e suas famílias. Roupas, sapatos, eletrodomésticos, quadros e antiguidades eram alguns dos frutos do saque realizado pelos militares da ESMA.

A Marinha também organizou uma imobiliária clandestina que vendia as casas e apartamentos dos "desaparecidos". O dinheiro era embolsado pelos oficiais.

"Viva Hitler", "Nós somos deuses" eram algumas das frases que os oficiais haviam pintado nas paredes das salas de tortura, onde também violentavam as prisioneiras que minutos depois levavam – ainda em estado de choque e sangrando – para jantar em uma churrascaria de luxo em pleno centro portenho.

A jornalista Miriam Lewin, uma das sobreviventes da ESMA, relatou ao Estado o modus operandi dos militares: "eles tinham métodos muito refinados. Vários prisioneiros viram como torturavam seus bebês, na sua frente, ameaçando esmagar a cabeça das crianças".

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Assinatura, em uma viga de uma das celas da Esma, do prisioneiro Horacio Maggio, posteriormente assassinado

Espalhados em 17 hectares, os diversos edifícios da ESMA que compõem o antigo centro de torturas possuem nomes que indicam o humor negro dos oficiais: "Avenida da Felicidade", "Eldorado", "O Capuz" e "O Pequeno Capuz" (estes dois últimos, em alusão aos capuzes que os militares colocavam sobre a cabeça dos prisioneiros, que freqüentemente ficavam semanas ou meses sem ver a luz do dia).

A Escola de Mecânica da Armada está a poucos quarteirões do estádio Monumental, do time River Plate.
Durante a Copa do Mundo de 1978, os prisioneiros podiam escutar desde suas celas as torcidas no estádio gritando "gol".

Nos dias de jogo os oficiais detinham as sessões de tortura para dedicar-se a ver pela TV os embates futebolísticos. Quando os jogos concluíam, dedicavam-se novamente a aplicar choques elétricos ou arrancar as unhas dos prisioneiros.

ESQUIZOFRENIA
"O comportamento desses militares era uma coisa esquizofrênica", disse ao Estado Graciela Daleo, uma ex-prisioneira que no dia em que a Argentina venceu a Copa, foi levada pelos oficiais para um "passeio" de celebração pelas avenidas da cidade.

Daleo, que havia sido torturada com requintes de crueldade, olhava a multidão dançando pelas ruas. "Eu olhava pela janela do carro, rodeadas de oficiais da Marinha, e pensava que se começasse a gritar às pessoas na rua que eu era uma prisioneira política, ninguém daria bola para mim". Após o passeio, Daleo foi levada novamente à cela.

Grande parte dos prisioneiros ficavam encapuçados até seis meses ininterruptos. Esta era uma forma dos carcereiros eliminarem qualquer noção de tempo e espaço dos detidos.

Quase todos, antes de serem torturados recebiam uma refeição de boa qualidade. Essa a "última ceia", servida pelos oficiais com um sorriso de sarcasmo. Depois, eram levados pela "Avenida da Felicidade", tal como denominavam o corredor que conectava os alojamentos dos prisioneiros com as salas de torturas.

Logo, a longa seqüência de padecimentos começava com choques elétricos sobre um colchão. As fortes descargas causavam pequenos "apagões" no resto das instalações da Esma. Para que a condução elétrica fosse melhor, os oficiais de Massera molhavam os corpos dos torturados.

Nos pavilhões onde amontoavam-se os prisoneiros, havia uma mistura de alívio e desespero. "Você implorava que o companheiro fosse deixado em paz...mas, ao mesmo tempo, sabia que quando isso acontecesse, você era o seguinte", explica Victor Basterra, um dos sobreviventes.

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Parte da frente da Esma, atualmente

AMPLO LEQUE DE TORTURAS
Depois dos choques, os prisioneiros eram as vítimas do "submarino úmido", que consistia em colocar suas cabeças em baldes d'água cheios de urina, fezes e outros dejetos. Os oficiais também aplicavam o "submarino seco", ou seja, a asfixia com uma bolsa de plástico.

Uma das mais temidas era o "saca-rolhas", que consistia na introdução de um aparelho pela via anal, que ao ser puxado para fora, arrastava junto as vísceras.

Algumas torturas eram inesperadas. Os homens de Massera dedicavam várias horas para imaginar novas formas de atormentar os prisioneiros. Uma manhã, os detidos ficaram perplexos ao ver que os oficiais levavam uma motocicleta até o porão onde estavam. Nas horas seguintes, os militares, montados na moto, divertiram-se circulando pelo salão passando por cima dos prisioneiros, deitados no chão a modo de paralelepípedos.

Teresa, uma das prisioneiras que morreu na Esma e cujo sobrenome é desconhecido, era violada cada vez que ia ao banheiro. "Se ela ia uma vez, a estupravam nessa ocasião. Mas, se, horas depois, ia de novo, era novamente violada. Todas as vezes que ia ao banheiro, era impreterivelmente estuprada. Todas", relata Enrique Fuckman, ex-detido das masmorras da Esma.

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Dagmar Hagelin, a adolescente estudante sueca vítima de Astiz

'ASTIZ DAVA UM PRESENTE DE ANIVERSÁRIO PARA UM PRISIONEIRO...E DEPOIS O LEVAVA À SALA DE TORTURA'

"O Verdugo – Astiz, um soldado do terrorismo de Estado" é a mais recente biografia não-autorizada de Alfredo Astiz. Seu autor, o jornalista Jorge Camarasa, famoso nos anos 90 por seus livros sobre nazista na Argentina, em entrevista ao Estado, conversou sobre a intrincada personalidade de Astiz, a quem define de "sinistro paradigma do terrorismo de Estado".

Estado: Como definiria a relação de Astiz com suas vítimas e seu trabalho?

Camarasa: Astiz possuía uma série de patologias. Ele costumava recordar os aniversários de alguns prisioneiros, aos quais levava presentes na ESMA! Era uma relação de amor-ódio muito complexa. Astiz era capaz de realizar coisas estranhas como levar um prisioneiro a um restaurante, e depois transportá-lo para o lugar onde seria torturado...e ele pretendia que fosse uma espécie de relação na qual todos seriam amigos!

Estado: Astiz pertence aquele grupo de ex-torturadores e ex-sequestradores que consideram que seus atos durante a ditadura foram uma 'missão divina'? Ou o enquadraria como um 'aproveitador' das circunstâncias?

Camarasa: Era um aproveitador. Ele limitava-se a cumprir as ordens que recebia, sem jamais questionar se elas estavam bem ou mal. Se o patrão de Astiz tivesse sido outro governo, outro regime, com certeza ele teria agido da mesma forma.

Estado: Astiz foi um garoto mimado da ditadura? O almirante Massera o encarregou de realizar complexas tarefas de espionagem, apesar de ser muito jovem...o ditador e general Leopoldo Galtieri, durante a Guerra das Malvinas, o colocou como comandante das ilhas Geórgias do Sul....

Camarasa: Foi mais do que um garoto mimado. Isso tem a ver com a formação de Astiz. Ele foi um oficial treinado nos Estados Unidos, além da Escola das Américas. Era um cara com instrução militar acima de seu camaradas.

Estado: Qual foi o destino de Dagmar Hagelin?

Camarasa: Sabemos detalhes da operação na qual Dagmar foi pega. Mas não sabemos se morreu na hora, se foi levada viva e posteriormente torturada. E depois morta.

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A luta dos juristas pela democracia no Brasil

A luta dos juristas pela democracia no Brasil

Coluna Cassio Schubsky - SpaccaIndiscutível o papel que os juristas sempre tiveram como mola propulsora de transformações sociais, na luta por valores essenciais a todos os seres humanos como a Justiça e a Liberdade.

Apenas a título de exemplo, se voltarmos os olhos para a Revolução Francesa, encontraremos entre os seus principais líderes os advogados Danton e Robespierre. Na Conjuração Mineira, ao lado do militar Tiradentes, figuravam o jurista, desembargador e procurador da Coroa Cláudio Manuel da Costa ou o magistrado Tomás Antonio Gonzaga.

Na luta contra o Estado Novo, além da ferrenha resistência dos estudantes do Largo de São Francisco, destacaram-se juristas de Minas Gerais, que se notabilizaram por escrever importante documento contra a tirania, que ficou conhecido como "Manifesto dos Mineiros", lançado em 1943 e que representou um marco na derrocada da ditadura Vargas.

Goffredo lê a Carta aos Brasileiros, no pátio das Arcadas (Faculdade de Direito da USP), em 8 de agosto de 1977, ante numerosa assistência. - Hélio Campos MelloContra o regime militar implantado em 1964, novamente estavam os juristas irmanados, sob as Arcadas, para celebrar a leitura da "Carta aos Brasileiros", escrita pelo professor Goffredo da Silva Telles Jr. e subscrita por centenas de pessoas, a grande maioria juristas (foto). Estes, afinal, também se reuniam para bradar por democracia e pela volta do Estado Democrático de Direito nas entidades de classe, com destaque para a Ordem dos Advogados do Brasil. 

A COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE SÃO PAULO
A resistência pacífica à ditadura militar, que assolou o País de 1964 a 1985, deu-se em variadas frentes. Nas salas de aula, nas tribunas da imprensa e nas barras dos tribunais, democratas lutavam, como podiam, arriscando a própria vida. É certo que os combatentes foram muitos, milhares, muitos e muitos milhares, espalhados pelo Brasil afora, organizados em associações, sindicatos e em diversas outras organizações não-governamentais, ou mesmo nos partidos, legais ou clandestinos.

Na linha de frente da resistência democrática, destacaram-se as Comissões Justiça e Paz nacional e nos estados. Entre elas, com relevante atuação, sobressaiu-se a Comissão Justiça e Paz de São Paulo (CJP-SP).

Concebida, em 1972, por Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo da Cúria Metropolitana de São Paulo, desde logo a CJP-SP ancorou-se no destemor e na disposição de lutas dos juristas. O primeiro presidente da entidade foi Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Sucederam-no outros luminares do Direito pátrio, entre os quais José Carlos Dias (advogado criminalista e ex-ministro da Justiça), José Gregori (ex-ministro da Justiça e atual secretário municipal de Direitos Humanos da cidade de São Paulo), Antonio Carlos Malheiros (desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo) e Marco Antônio Barbosa (advogado).

Frutuosa foi a atuação da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. Em pleno Governo Médici, quando a tortura contra presos políticos tornou-se prática generalizada, envolvendo agentes militares e paramilitares, além de policiais civis, a CJP-SP constituiu-se em pólo de ação jurídica e política. Defendendo os presos políticos e denunciando as arbitrariedades do regime – com eco no exterior –, os juristas da Justiça e Paz, ao lado de outros cidadãos (professores, sociólogos etc.), cerravam fileiras, também acolhendo refugiados políticos de ditaduras congêneres à brasileira em outros países da América do Sul.

As lutas da CJP-SP foram se ampliando, ancoradas no alargamento da noção de direitos humanos – direito à vida, à saúde, à educação etc. Com o fim da ditadura, a Comissão continuou ativa, denunciando as arbitrariedades cometidas por autoridades constituídas contra os despossuídos, na luta pela posse da terra, no direito à moradia, contra a violência no sistema prisional, entre tantas outras frentes de batalha. E, nos últimos anos, a CJP-SP tem se notabilizado por sua atuação em prol da educação em direitos humanos, para que os currículos escolares nos variados níveis da educação contemplem noções fundamentais de interesse de todos os cidadãos. E para que o aprendizado vire, enfim, prática cotidiana de um país mais justo e fraterno.

Fé na Luta - Livro - ReproduçãoHistória em livro
A rica trajetória da Comissão Justiça e Paz de São Paulo tem sido objeto de algumas teses e publicações de uns anos para cá. Em 15 de novembro passado, por ocasião da comemoração dos 120 anos da Proclamação da República, foi lançado o livro Fé na Luta – A Comissão Justiça e Paz de São Paulo, da ditadura à democratização, de Maria Victoria Benevides (Editora Lettera.doc), possivelmente a mais completa obra a traçar o itinerário histórico da CJP-SP.

Em 424 páginas, incluindo fotos históricas e uma detalhada cronologia sobre fatos políticos, culturais, sociais e econômicos das últimas décadas, a obra é fruto de ampla pesquisa coordenada pela socióloga e professora titular de Educação da USP, Maria Victoria Benevides, que também é diretora da Escola de Governo, além de militante histórica dos direitos humanos e da própria Comissão.

Como afirma o professor Antonio Candido, em texto inserido na contracapa do livro, "Maria Victoria Benevides é qualificada de maneira especial para contar a história da benemérita Comissão Justiça e Paz de São Paulo, que, sob a inspiração do grande brasileiro e grande pastor que é Dom Paulo Evaristo Arns, foi um reduto na defesa dos direitos humanos em período terrível da nossa história e continua atuando na luta por eles. Além de participar intimamente dos trabalhos da Comissão e, portanto, de conhecê-la por dentro, Maria Victoria tem o equipamento intelectual e afetivo adequado para expor e avaliar o seu papel, o que pressupõe a capacidade de análise social pertinente, mas também a vibração ante o sofrimento dos que têm a sua humanidade lesada. Como cidadã, professora, militante, estudiosa de visada ampla, ela possui a envergadura necessária para narrar o que tem sido uma instituição que é das mais nobres e eficientes em nosso país". O prefácio da obra é assinado pelo Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e as orelhas estão a cargo do jornalista Eugênio Bucci (bacharel em Direito pela USP, que foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, em 1984).

A Consultor Jurídico é uma revista eletrônica especializada em informação do Direito e da Justiça, produzida pela Dublê Editorial e Jornalística Ltda.

                                         
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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Livro resgata histórias de crianças presas com os pais durante a ditadura

 

CARTA O BERRO. ..........repassem.

Ações do documento
 

Livro resgata histórias de crianças presas com os pais durante a ditadura

Autor(es): FERNANDA ODILLA
Folha de S. Paulo - 08/12/2009
 

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA André, 3, e Priscila, 2, foram parar atrás das grades com a mãe no dia da promulgação do AI-5, sigla que entrou para a história como o ato institucional que escancarou a ditadura no Brasil, em 13 de dezembro de 1968.
Depois, viveram clandestinos até 1976, sem saber ao certo o que estava acontecendo no país -e na família- ou mesmo o nome verdadeiro dos pais. Os dois, 41 anos depois, se transformaram em personagens do livro "História de Meninas e Meninos Marcados pela Ditadura", que será lançado hoje pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência.
O livro traz a história de oito militantes presos com os filhos, dois adolescentes ativistas presos e torturados, quatro crianças sequestradas por militares, uma órfã criada por esquerdistas e dez jovens assassinados a sangue frio ou após sessão de tortura durante a ditadura (1964-1985). Ao menos três deles integram o governo Lula.
Um deles é André Arantes, 44, diretor de esportes de base e alto rendimento do Ministério do Esporte, preso com a irmã Priscila e a mãe, Maria Auxiliadora.
Apesar de não ter lembranças dos quatro meses que ficou encarcerado, ele se recorda do dia em que descobriu que o pai, Aldo, usava o nome falso de Roberto.
Foi só a partir daí, e da prisão do pai um ano depois, que Arantes começou a entender que os pais militavam na resistência. "Tudo esclarecido, você começa a lidar com a história de ser filho de um preso político", diz.
Outro personagem é Laerte Meliga (subsecretário de Planejamento do Ministério da Fazenda), que completou 18 anos na clandestinidade e, pouco depois, foi preso.
As marcas da violência na prisão e dos três anos e nove meses de encarceramento permaneceram.
"Tortura é um processo absolutamente traumático, mas também marcou muito a solidariedade da cadeia", afirma.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Ditadura: Estado e União tem 72 horas para se manifestarem sobre ossadas sem identificação

Finalmente medidas estão sendo tomadas!
 

CARTA O BERRO. ..........repassem.

 

Ministério Público Federal - Procuradoria Geral da República

Ditadura: Estado e União tem 72 horas para se manifestarem sobre ossadas sem identificação

2/12/2009 17h56

A ação que pede a responsabilização de autoridades civis do período também foi aberta pela Justiça Federal, que mandou citar os réus Tuma, Maluf, Shibata, Colasuonno e Bueno

A Justiça Federal recebeu a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, na última quinta-feira, 26 de novembro, visando a responsabilização civil da União, do Estado de São Paulo, de três universidades e de mais seis pessoas pela demora indevida na identificação dos restos mortais de militantes políticos mortos pela ditadura militar e enterrados no cemitério de Perus (na zona norte de São Paulo).

No último dia 30, o juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Federal Cível de São Paulo, deu prazo de 72 horas para que a União e o Estado de São Paulo se manifestem sobre o caso. Somente após o posicionamento do Poder Executivo, a Justiça decidirá sobre os pedidos liminares da ação do MPF.

Na ação, além da responsabilização de legistas e peritos, o MPF pede liminar para que a União reestruture, em 60 dias, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos e a dote de orçamento, pessoal e de um Núcleo de Pesquisas e Diligências e um laboratório para se responsabilizar pelo Banco de DNA de familiares, iniciado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, e que contrate, em até 90 dias, um laboratório especializado na realização de exames de DNA em ossos.

Já quanto ao Estado de São Paulo, o MPF pediu liminar que o obrigue a, no prazo de 60 dias, constituir uma equipe de profissionais do Instituto Médico Legal para atuar com exclusividade no exame das ossadas oriundas da vala comum de Perus e atualmente depositadas no columbário do Cemitério do Araçá.

Aberto o columbário, o MPF pede que a União e o Estado sejam obrigados a examinar, em seis meses, as ossadas que estão no Araçá e descartem aquelas que sejam flagrantemente incompatíveis com casos de desaparecidos e extraia DNA das ossadas selecionadas.

Ação Civil Pública nº 2009.61.00.025169-4.

Ocultação – A ação que visa a declaração de responsabilidades pessoais de autoridades e agentes públicos civis e da União, Estado e Município de São Paulo por ocultações de cadáveres de opositores da ditadura militar (1964-1985), ocorridas na capital, nos cemitérios de Perus e Vila Formosa, também foi recepcionada pela Justiça Federal.

A juíza Tânia Lika Takeuchi, da 4ª Vara Federal Cível, determinou a citação dos réus Romeu Tuma, atualmente senador por São Paulo, que foi chefe do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Dops, entre 1966 e 1983; do médico legista Harry Shibata, ex-chefe do necrotério do Instituto Médico Legal de São Paulo; dos ex-prefeitos de São Paulo, Paulo Maluf (gestão 1969-1971), atualmente deputado federal e Miguel Colasuonno (gestão 1973-1975); e de Fábio Pereira Bueno, diretor do Serviço Funerário Municipal entre 1970 e 1974, para que todos apresentem suas defesas dentro do prazo legal.

A juíza também determinou que União, Estado e Município de São Paulo, também demandados na ação, se manifestem.

A ação do MPF pede que os cinco sejam condenados à perda de suas funções públicas e/ou aposentadorias ao final do processo. Caso sentenciados, os mandatos atuais de Tuma e Maluf não seriam afetados, pois a Constituição impede a perda de mandato em ações civis públicas.

Além da cassação das aposentadorias, o MPF pede que as pessoas físicas sejam condenadas a reparar danos morais coletivos, mediante indenização de, no mínimo, 10% do patrimônio pessoal de cada um, revertidos em medidas de memória sobre as violações aos direitos humanos ocorridos na ditadura.

O MPF sugere na ação civil pública a possibilidade de o juiz diminuir eventual pena em dinheiro se os réus, antes da sentença, declararem publicamente, em depoimento escrito e audiovisual, os fatos que souberem ou de que participaram durante a repressão política no período de 1964 a 1985, mas que ainda não sejam de domínio público.

Ação nº 2009.61.00.025168-2.

Fiel Filho – Na última sexta-feira, o MPF tomou ciência de decisão da juíza Gisele Bueno da Cruz, da 11ª Vara Federal Cível, que recebeu ação civil pública contra sete ex-agentes do
Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2º Exército, visando responsabilizá-los pela morte do operário Manoel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976. Ela adiou a análise de um pedido liminar para depois da chegada das contestações.

O MPF ajuizou a ação em março deste ano, mas ela havia sido rejeitada sem a análise do mérito pela juíza Regilena Emy Fukui Bolognesi, entretanto a procuradoria recorreu da decisão e a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou que não era caso de arquivamento.

Na nova decisão da 11ª Vara foi determinada a citação dos réus e solicitada a manifestação da União e do Estado de São Paulo. "Após a juntada de todas as contestações, retornem os autos para apreciação do pedido liminar", assinalou a juíza.

Na liminar, o MPF pede o afastamento do perito criminal Ernesto Eleutério, que até hoje exerce atividades no Instituto de Criminalística.

Ação nº 2009.61.00.005503-0.

Nas três ações, o MPF pede que a União e o Estado e o Município de São Paulo, este último apenas no caso da ação de ocultação de cadáver, decidam qual posicionamento tomar diante das ações, se junto com o MPF ou em defesa dos réus.


Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República em São Paulo
11-3269-5068
ascom@prsp.mpf.gov.br
www.twitter.com/mpf_sp

 

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O desespero da Folha é pior do que a mente de Benjamim

Carta O Berro

 

Blog do Rovai


 

Cesar Benjamim é uma mente doentia. Alguém que inventa histórias e constrói tramas para desqualificar aqueles com os quais por muitas vezes teve longo relacionamento. 

 Para quem não se lembra, esse é o sujeito que "denunciou" Emir Sader quando a editora dele não foi escolhida para fazer um trabalho que o sociólogo coordenava. 

 Era amigo de Sader por muito tempo, mas como seus interesses comerciais não foram atingidos, decidiu acusá-lo publicamente de corrupto. 

 Este Cesar Benjamim também é o mesmo que trabalhou no programa de governo de Garotinho quando imaginava que aquele poderia ser o candidato do PMDB à presidência da República. 

 Era um dos "cérebros" do ex-governador na construção de um programa nacionalista. 

 Mas como a candidatura do ex-governador não emplacou pelo PMDB, este mesmo Cesar Benjamim se filiou ao PSol e saiu candidato à vice-presidência da República na chapa de Heloísa Helena. 

 Provavelmente porque passou a achar que Garotinho não era mais o caminho a verdade e a vida. Mas sim HH. 

 Não foi só do PT, partido ao qual foi filiado, que saiu atirando. Também tretou com Garotinho e com o PSol. Benjamim não é só craque em produzir inimigos. É especialista em delação pública sem provas. 

 Se alguém com um currículo desses procurasse seu jornal para denunciar o presidente da República de ter tentado enrabar (vamos usar o português claro) um jovem nos dias em que era preso político, o que você faria? Publicaria o artigo? 

 E se essa mente doentia ainda citasse nominalmente uma única pessoa como testemunha, o que você faria? Não ouviria a testemunha e publicaria o artigo? 

 Cesar Benjamim é uma pessoa sem caráter, um psicopata da política. Pessoas assim existem. E vivem buscando jornais para acusar seus adversários. Jornais, em geral, as ignoram. 

 Por isso, neste episódio, o que mais me assusta é ver a Folha valer-se de uma mente insana para tentar atingir a reputação de alguém a quem se contrapõe politicamente. 

 Se a direção deste jornal considera isso válido para atingir seus objetivos, por que não sustentaria um golpe para derrotar esses mesmos adversários políticos? 

 A iminente derrota da oposição em 2010 e a falta de perspectiva política desse grupo nos próximos anos estão levando a uma radicalização midiática que não é só nojenta. É preocupante. 

 É bom os partidos da base do governo ficarem atentos a isso.



domingo, 29 de novembro de 2009

Ainda Roman Polanski

 

Polanski e sua ex-mulher, brutalmente assassinada, Sharon Tate

POLANSKI: O PREÇO DA LIBERDADE


Rui Martins

Berna (Suiça) - O cineasta Roman Polanski será libertado nos próximos dias, e aguardará em prisão domiciliar sua extradição para os EUA, pois a justiça suíça desistiu de apresentar um recurso contra decisão do Tribunal Federal. A liberdade será concedida com o depósito de uma caução equivalente a 4,5 milhões de dólares, entrega de todos os documentos à polícia suíça e uso de um aparelho fixado no tornozelo, capaz de alertar a polícia no caso de fuga.

Dois meses depois de Roman Polanski viver no exíguo aposento de uma prisão suíça, nos arredores da cidade de Wintertur, seus advogados conseguiram sua liberdade vigiada durante a espera da extradição reclamada pela California, nos EUA.

Foi o Tribunal Penal Federal, a pedido dos advogados de Polanski, que concedeu ao cineasta a possibilidade de aguardar em liberdade sua extradição. Para evitar o risco de uma fuga, o cineasta deverá depositar uma caução de 4,5 milhões de francos suíços ou dólares, entregar todos seus documentos e usar um aparelho eletrônico fixado no tornozelo, capaz de informar a polícia no caso de tentativa de fuga da prisão domiciliar no chalé de sua propriedade, na cidade de Gstaad.

Essa possibilidade de liberdade surgiu das afirmações constantes do pedido americano de extradição de que Polanski deverá cumprir uma pequena pena de dois anos nos EUA e não 50 anos de prisão como se afirmava a princípio. A justiça verificou que os 4,5 milhões oferecidos como caução representam a principal fortuna de Polanski e que uma fuga deixaria a família de Polanski, sua mulher e dois filhos, em má situação econômica, já que aos 76 anos, Polanski não terá condições ganhar novamente essa soma, fruto de uma vida de trabalho.

Polanski foi preso, há dois meses, numa autêntica cilada montada pela justiça suíça, dirigida atualmente por uma ministra de extrema-direita. Convidado para receber um prêmio no recém criado Festival de Cinema de Zurique, Polanski não se preocupou com o risco de ser preso, pois tem residência na Suíça, onde paga impostos e onde tem um chalé nas montanhas da cidade de Gstaad. A decisão tomada pelo departamento da Justiça de prender Polanski tinha chegado ao conhecimento do departamento de Cultura, que iria entregar o prêmio, mas que não alertou o cineasta, razão pela qual se fala ter numa cilada para se prender Polanski.

Por enquanto, Polanski , preso e sem direito a visitas, exceto de sua mulher uma vez por semana, não fez qualquer declaração sobre sua prisão, mas imagina-se que deverá ser severo contra a Suíça, mesmo porque sua prisão teve uma lado absurdo – o de se prender Polanski prestes a receber uma homenagem, quando se poderia prendê-lo sem alarde a qualquer momento, em seu chalé na cidade suíça de Gstaad, sua residência oficial, onde paga anualmente seu imposto de renda.

A imprensa suíça se pergunta se Polanski poderá fugir mesmo com uma tornozeleira eletrônica de metal e depois de depositar 4,5 milhões de dólares como garantia. Imaginando-se a situação em que vive atualmente Polanski, isolado depois de traído, é fácil se esperar que fuja, mesmo porque Gstaad fica perto da França. E, embora a liberdade custe caro para o cineasta, será também uma maneira da Suíça se livrar da responsabilidade de extraditar Polanski, sob o fogo de críticas de intelectuais e artistas de todo o mundo.

Embora Polanski tenha fugido da Califórnia, depois da instauração de um processo contra ele por ter sodomizado uma menor, existe em seu favor o fato do processo ter sido dirigido por um procurador sedento de notícias na mídia que prometia "condenar o anão", como se referia ao baixinho Polanski, por ter agido com o consentimento da garota e por já se terem passado mais de 30 anos. Sob constante ameaça de prisão, Polanski viajava pouco, com medo de ser preso fora da França, onde tinha se refugiado, e não podia filmar em nenhum país anglófono.

Polonês de origem, mas depois com nacionalidade francesa, Polanski escapou do holocausto contra os judeus na Segunda Guerra, no qual morreu sua família, por ter sido acolhido e escondido por uma família católica. A essa primeira tragédia de órfão no Holocausto, se acrescentou outra ocorrida com sua esposa, grávida, em Los Angeles, assassinada por um grupo de satanistas.


http://www.diretodaredacao.com/

 
 

sábado, 28 de novembro de 2009

cultura/ guerra/contemporaneidade

 
27 de Novembro de 2009 - 14h22

A surpreendente flexibilidade táctica dos talibãs no Afeganistão

Enquanto o exército paquistanês lança uma grande ofensiva no Vaziristão Sul, nos Estados Unidos intensifica-se o debate sobre o futuro do envolvimento no Afeganistão. Muitos comentadores estabelecem um paralelo com o atoleiro americano no Vietname. No terreno, as tropas estrangeiras enfrentam um inimigo que, para lá da retórica religiosa, dá provas de pragmatismo, tanto no plano táctico como político.

Por Patrick Porter, para o Le Monde Diplomatique

Andarão os Estados Unidos a combater extraterrestres? Ralph Peters crê que sim. Este polemista, tenente-coronel americano aposentado, teme que os talibãs sejam selvagens oriundos de um outro planeta, gente «que prefere os seus modos de vida rudimentares e os seus cultos implacáveis». Combatê-los resumir-se-ia a uma «colisão frontal entre civilizações de diferentes galáxias» [1].

Mas Ralph Peters não faz soar as trombetas da vitória. A seu ver, os soldados americanos estão nos Estados Unidos à mercê de media hostis, de dirigentes ignaros e de uma população que a opulência e o liberalismo iludem. Reatualiza assim Rudyard Kipling, o escritor britânico que advertiu a Inglaterra vitoriana de que os seus exércitos seriam submersos por hordas de selvagens e de que o Afeganistão era a terra onde os impérios iam morrer.

Uma tal viragem para o exotismo, em resposta às complexidades da guerra, transcende as divisões políticas. O "choque das civilizações" profetizado pelo falecido Samuel Huntington pode estar fora de moda nas universidades, mas a ideia de que os estrangeiros se parecem conosco ficou denegrida pelas consequências da guerra no Iraque e pelo projeto de George W. Bush que visava remodelar a imagem dos Estados Unidos. Doravante, a opinião pública pende a favor da diferença e no seu túmulo Huntington bem pode sorrir.

Como declarou um general americano, os Estados Unidos estão hoje envolvidos em conflitos "culturais" à margem do império. Para intervir nessas terras estranhas, quer seja em missões de estabilização ou em operações militares de "reconstrução nacional", o exército tenta usar a cultura como uma arma. O programa do Pentágono intitulado Human Terrain Teams e o novo manual de contra-insurreição FM3-24 [2] estão a redescobrir a antropologia colonial, tendo-se registado um renovado interesse por trabalhos clássicos sobre a "mente árabe".

Historicamente, crises imperiais como a revolta indiana dos cipaios, em 1857, estimularam a renovação da etnografia e o interesse pelas tradições tribais. Em 1940, na sequência das guerras contra "povos estranhos" – na Nicarágua e nas Caraíbas –, os fuzileiros navais dos Estados Unidos produziram o seu Small Wars Manual, em que recomendavam o estudo das "particularidades raciais" dos autóctones. É um velho reflexo.

A cultura serve de antídoto para a arrogância tecnológica norte-americana da década de 1990. Nessa altura, os visionários pensaram que as munições de alta precisão, as tecnologias da informação e os satélites desenvolveriam uma incomparável capacidade de matar, dissipariam o nevoeiro na guerra e tornariam esta potência invencível. Mas o Iraque e o ressurgimento dos talibãs cobriram com um brutal descrédito tais ideias. Por isso, a "revolução cultural", o regresso à identidade e ao sangue, à terra e à fé enquanto origens de conflito soam como uma grande reprimenda feita a essa ideia fantasmagórica.

O culturalismo, porém, tal como o tecnologismo, pode induzir em erro. A hipótese da similitude pode revelar-se perigosa, tal como a fixação no excêntrico, no "orgulho" árabe ou na "honra" muçulmana. E a convicção de que "conhecemos" um inimigo intimamente ou de que podemos gerar um conhecimento sistemático da sua cultura corre o risco de engendrar uma confiança falaciosa e falhas na análise. É inesquecível o caso do experiente especialista do Irã, agente da Agência Central de Inteligência (CIA), que em 1978, seis meses antes da Revolução Islâmica, elogiou o governo e a estabilidade do xá.

Se há lugar que estas análises descrevem como um ninho de inimigos exóticos culturalmente congelados é realmente o cadinho formado pelo Paquistão e o Afeganistão, referindo-se a literatura de estereótipos, desde 2001, a esse eterno "cemitério dos impérios", a essa "terra de ossadas" que no passado repeliu diversos invasores, de Alexandre, o Grande, aos soviéticos.

Segundo tais comentadores, os talibãs só podem ser entendidos como "estranhos ao pensamento ocidental", resumindo-se a guerra a um choque cultural entre uma teocracia arcaica e uma grande potência rica e ultramoderna. Derrubados no outono de 2001, os talibãs levariam assim a cabo uma revolta que muitos consideram acima de tudo cultural…

É tentador encarar os próprios afegãos como prisioneiros das suas tradições, sustentando alguns comentadores que as tribos pashtunes, de onde provém a maioria dos talibãs, estão ligadas a um vingativo código de honra baseado nos laços do sangue. O semanário The Economist repisa o argumento: "O pashtun, logo que a sua honra é manchada – é esse precisamente o problema dos americanos –, é obrigado a vingar-se" [3]. Outros apresentam os talibãs como místicos de um outro mundo. Quando a certa altura, a meio de uma entrevista, alguns soldados talibãs a interromperam para rezar, um jornalista invejou a sua "força e pureza", o seu "sentido transcendental da paz, a sua determinação e proximidade com a morte e com Deus, características muito raras no Ocidente moderno".

O refrão é óbvio: onde nós somos estratégicos, modernos e políticos, eles são primitivos e desprendidos do mundo. Os ocidentais não são, aliás, os únicos impressionados com esse sentimento de diferença radical, tendo-se gabado do seguinte um combatente afegão: "Os americanos gostam de Pepsi-Cola, mas nós gostamos da morte".

Quando em 1998, na sequência da guerra civil, os talibãs se apoderaram de quase todo o Afeganistão, impuseram a charia na sua forma mais austera e intransigente. Num país onde o islã puritano só raramente dominou, a nova ordem baniu a música e o álcool, introduziu os castigos corporais, tais como a amputação ou a lapidação até à morte, proibiu as imagens tidas como iconoclastas, despedaçou no Museu de Cabul milhares de objetos de arte pré-islâmica, destruiu antigas estátuas budistas (principalmente as do vale de Bamyian), procedeu a uma limpeza étnica massacrando milhares de hazaras (xiitas) em Mazar-e-Charif, executou homossexuais e dissidentes políticos, impediu as moças de frequentarem o ensino público e criou uma policia religiosa encarregada de espancar as mulheres que não se submetessem ao código de vestuário obrigatório.

Guerrilheiros na era da Internet

Mas, à medida que o conflito foi evoluindo, os talibãs souberam redefinir os seus princípios. Alteraram a sua posição sobre a cultura do ópio, tornando-se, depois da queda do seu governo, defensores do narcotráfico e protetores da vida rural. Em Musa Qala revogaram algumas restrições à vida social para conquistar a simpatia da população, renunciando, entre outras coisas, a que os homens usassem obrigatoriamente barba e a que os instrumentos musicais e o cinema fossem proibidos.

Fizeram também marcha-a-ré no respeitante aos ataques suicidas. Anteriormente, defendiam que era um ato de covardia e uma afronta ao islã andar com a roupa cheia de explosivos. Agora servem-se disso e os seus dirigentes religiosos reinterpretam o Corão de forma a justificar tais atos, recorrendo a histórias sobre mártires voluntários num exército muçulmano do século 17.

Na guerra da informação, os talibãs adaptaram-se ao poder das mídias modernas com uma facilidade que ultrapassa, de longe, a dos seus adversários. Dão entrevistas na televisão, enviam delegados ao Iraque para se familiarizarem com as técnicas de fabrico de vídeos da al-Qaida e imitam as práticas ocidentais levando jornalistas a "acompanhar" os seus combatentes. Quando estavam no governo, comparavam as representações humanas à idolatria. Agora violam os tabus sobre o "fabrico de imagens" e transformam-se em guerrilheiros da era da Internet. Cúmulo da ironia, este movimento que proibia os instrumentos musicais emprega agora cantores para fins propagandísticos, distribuindo cassetes que louvam o mártir talibã, condenam os infiéis e imitam o rap americano.

Na sua luta para conquistarem a simpatia dos afegãos, os talibãs promovem um governo alternativo ou "anti-Estado", o "emirado islâmico do Afeganistão". Desenvolveram sistemas paralelos de escolaridade, de saúde e de justiça e até instituíram um mediador, perto de Kandahar, a quem a população pode apresentar as suas queixas. Tentam também limitar a ação das milícias privadas com base em códigos de comportamento que proscrevem os ataques às habitações, o roubo e a pilhagem. Para lutarem contra a coligação dirigida pelos americanos, estudam a doutrina da contra-insurreição ocidental, bem como as repercussões que esta exerce nos sentimentos e na mente das pessoas. A interação estratégica com o inimigo tem a mesma importância que as tradições veneradas.

Embora a insurreição afegã tenha uma base étnica nas comunidades pashtunes, ela não pode ser reduzida a isso. As lealdades tribais tradicionais foram desestabilizadas e transformadas após a emergência dos tanzims (uma espécie de "partidos políticos" ou agrupamentos) e dos qawms (grupos de solidariedade ou de propriedade não homogêneos no plano territorial, incluindo seitas religiosas e alianças pragmáticas). Os próprios talibãs não operam apenas com base no sistema tribal. Na sua direção há membros das tribos durrani e ghizai e o seu movimento congrega grupos rivais, incluindo hazaras (xiitas) marginalizados na província de Ghazni. Muitos religiosos tadjiques e uzbeques aliaram-se à sua causa. Dispõem de vias de aprovisionamento e de comunicação em regiões maioritariamente povoadas por minorias não pashtunes e recrutam muito para lá das regiões que estão sob o seu domínio.

Deste modo, os talibãs odeiam aquilo que consideram elementos degenerados da modernidade, mas pretendem tirar proveito das vantagens que a sua tecnologia lhes oferece. Pregam a tradição, mas praticam a mudança.

O paradoxo da al-Qaida é semelhante. Muitas vezes apresentada como uma relíquia da idade Média, sonhando com um califado muçulmano ou mostrando-se nostálgica de uma Espanha perdida em 1492, ou como um ator estratégico que emprega a força como um fim em si (não brandindo a guerra como um instrumento da política e pondo em cena um teatro de horrores), a al-Qaida, contudo, provém de um mercado mundial de ideias e tecnologias. Como rede, luta para controlar aderentes violentos e puritanos que afastam as populações muçulmanas, da Argélia ao Iraque, mas não pode ser reduzida a um movimento pré-moderno ou simplesmente niilista. Os seus comunicados contêm princípios estratégicos clássicos. Quando declara guerra aos Estados Unidos, Osama Bin Laden justifica a sua estratégia de "guerrilha" não só como uma manifestação da violência sagrada, mas também como um método indispensável perante o "desequilíbrio de forças". O principal teórico da al-Qaida, Ayman Al-Zawahiri, pretende traduzir a violência em resultados políticos, escrevendo que as operações bem sucedidas contra os inimigos do islã de nada servirão se não permitirem criar uma "nação muçulmana no centro do mundo islâmico".

Longe de preconizarem o terror como um fim em si mesmo, os membros da al-Qaida deixaram no seu esconderijo de Tora Bora cópias anotadas da obra Da Guerra, o livro do estrategista prussiano Carl von Clausewitz.

A al-Qaida adapta-se às ideias dos infiéis e nos seus campos de treino há muitos livros publicados no Ocidente. Plagia manuais de treino ocidentais, os compêndios dos esquerdistas revolucionários, refere-se ao conceito contemporâneo de "guerra de quarta geração" e à teoria das "três fases" da guerrilha de Mao Tse-tung, amalgamando as crenças religiosas e o pensamento estratégico clássico e contemporâneo.

Entretanto, o novo interesse pelos universos sociais de sociedades estrangeiras levou o exército norte-americano a fazer reformas, tornando-se mais eficaz e "humano", por ser conveniente estar preparado para situações de guerra insurreccional, de conflitos comunitários ou do desmoronamento de um Estado. Mesmo assim, embora a cultura possa ser abordada através de muitos níveis de sofisticação, esta palavra deverá continuar a inquietar.

Talvez nunca possamos retirar da nossa consciência o oriental mítico, porque, tal como o medo da morte e do escuro, ele é demasiado poderoso para ser inteiramente exorcizado. Mas a natureza fluida e híbrida dos talibãs e da al-Qaida prova que a guerra congrega tanto como polariza. Nenhuma cultura, por mais estranha que seja, é uma ilha.

[1] Ralph Peters, "Taliban from Outer Space: Understanding Afghanistan", The New York Post, 3 de Fevereiro de 2009.

[2] William O. Beeman, A antropologia, arma dos militares, Le Monde diplomatique, Março de 2008.

[3] "Honour Among Them: The Pushtun's Tribal Code», The Economist, Londres, 22 de Dezembro de 2006.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ainda a "Ditabranda"

Crônica política sobre um documento contra a "ditabranda"

Caio Navarro de Toledo


RESUMO

Este breve artigo, uma crônica política, examina o significado e os efeitos políticos e ideológicos de um abaixo-assinado criado na Internet, em fevereiro de 2009. "Repúdio e Solidariedade" questionou a utilização do termo "ditabranda" – difundido pelo jornal paulista Folha de S. Paulo para designar a ditadura militar brasileira –, bem como prestou solidariedade a dois acadêmicos e intelectuais da Universidade de São Paulo (USP), conhecidos por suas atuações em defesa dos direitos humanos no Brasil. Subscrito por mais de 8 mil signatários, em pouco mais de seis semanas, o abaixo-assinado pode ser considerado – como testemunham os extensos comentários nele contidos – um relevante documento na luta pelo direito à verdade e à justiça sobre os fatos ocorridos durante o regime militar brasileiro (1964-1985). Talvez o seu papel simbólico mais relevante seja o de ter fincado uma bandeira na luta ideológica em torno da memória sobre 1964. No centro dessa bandeira seria reinscrita – como propôs um dos signatários do documento – a antiga consigna: no pasarán. Ou seja, os setores democráticos e progressistas da sociedade brasileira que apoiaram "Repúdio e Solidariedade" afirmam que não aceitarão calados as "falsificações da história" que impliquem o insulto à memória dos que lutaram, foram torturados e morreram na luta pela redemocratização do país.

Palavras-chave: ditadura militar; memória política; luta ideológica; Internet; imprensa burguesa.


I. INTRODUÇÃO

Em memória de dois saudosos
amigos – Heleny Guariba e João Abi-Eçab1
– e de todos que partiram sem dizer
"adeus".

Abaixo-assinados de orientação progressista ou de esquerda – antes do surgimento da Internet bem como nos tempos em que ela passou a ter uma presença relevante na difusão de informações e debates nas sociedades contemporâneas – certamente não chegam a abalar as estruturas do poder político ou o funcionamento de aparelhos ideológicos do capitalismo, nem provocam crises institucionais; no entanto, por vezes, algumas destas iniciativas podem ter uma certa eficácia no debate cultural e na luta político-ideológica de classes. Nesta breve crônica, buscarei examinar as circunstâncias nas quais foi criado o abaixo-assinado "Repúdio e Solidariedade" (CANDIDO et alii, 2009) – criado na Internet –, bem como analisar os efeitos políticos e ideológicos suscitados por esse documento nas suas quatro primeiras semanas de difusão2.

"Repúdio e Solidariedade" é uma firme tomada de posição crítica contra a noção de "ditabranda" – utilizada em Editorial da Folha de S. Paulo (LIMITES A CHÁVEZ, 2009) – para designar o regime militar brasileiro posterior a 1964, além de uma manifestação de solidariedade3 a dois professores universitários da Universidade de São Paulo, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato, que receberam graves ofensas da editoria desse jornal paulistano4.

II. O CONTEXTO DO DOCUMENTO

A iniciativa de elaborar um texto de "repúdio" e "solidariedade" surgiu no "calor da hora": da reação indignada de alguns colegas que, via correio eletrônico, foram por mim informados da polêmica ("ditadura" ou "ditabranda"?) que, inicialmente, se limitava à seção "dos leitores" da Folha5. Após reproduzir algumas das cartas dessa seção – em sua maioria, críticas ao "estelionato semântico" representado pelo neologismo "ditabranda" – e apresentar comentários pessoais sobre a polêmica questão, de imediato recebi de alguns colegas cópias de cartas enviadas ao jornal. Nenhuma delas foi publicada. Em contrapartida, as cartas enviadas pelos professores Benevides e Comparato receberam uma despropositada resposta do Diretor Editorial do jornal, Otavio Frias Filho. Numa curta "Nota de redação" (2009), a Direção da Folha – em vez de admitir o grave erro contido no Editorial de 17 de fevereiro – utilizou-se de recursos costumeiros aos vitoriosos de 1964 no "debate" com seus críticos: a intimidação e a ofensa aos seus interlocutores.

Na véspera do carnaval, incentivado por vários colegas, decidimos, por meio do recurso gratuito do ipetitions, elaborar um abaixo-assinado pela Internet. Na tarde do dia 20 de fevereiro, foi divulgado "Repúdio e Solidariedade"; de imediato, a informação do sítio eletrônico foi enviada a vários colegas que, por sua vez, lançaram-na em suas listas pessoais6. Diversos blogs de jornalistas "independentes" e sítios eletrônicos de entidades culturais e políticas – todos de orientação crítica, mas não necessariamente de esquerda – divulgaram, nos dias seguintes, o texto do abaixo-assinado e o respectivo link para as adesões.

III. SIGNIFICADOS DO DOCUMENTO

Aguardando um outro momento para uma análise mais consistente e rigorosa deste documento político que trata da memória e das representações ideológicas sobre o golpe civil-militar de 1964 e os 20 anos de ditadura militar, algumas observações e comentários podem ser feitos nesta breve crônica política.

Embora em alguns blogs o abaixo-assinado tenha sido divulgado com o nome de "Manifesto de intelectuais", esta designação não é adequada nem correta. Se alguns acadêmicos tomaram a iniciativa de criá-lo e algumas renomadas figuras da intelectualidade brasileira, de pronto, o apoiaram, "Repúdio e Solidariedade" tem como signatários pessoas de diferentes atividades profissionais sem nenhum vínculo imediato com o ensino universitário e a pesquisa acadêmica7. Juntamente com as centenas de professores universitários de todo o país, os apoiadores do abaixo-assinado8, em número significativo, são: advogados, arquitetos, artistas, engenheiros, escritores, estudantes universitários, jornalistas, professores do ensino médio, profissionais na área da saúde e da justiça (magistrados, juizes de direito, procuradores etc), psicólogos e psicanalistas, servidores públicos, religiosos etc9. Também estão entre os signatários, ativistas políticos, parlamentares e quadros partidários – exclusivamente do campo democrático e popular –, militantes de movimentos sociais populares (do movimento sindical, representantes de entidades de defesa dos direitos humanos e de ex-presos políticos, do movimento negro etc).

Uma outra observação a ser feita é a de que, na sua extensa maioria, os comentários acrescentados ao abaixo-assinado não são de autoria dos renomados acadêmicos e intelectuais signatários; com freqüência, estes não se identificam nem externam suas opiniões. Os comentários no abaixo-assinado procedem, sim, de pessoas que não escrevem na grande mídia brasileira; são, provavelmente, leitores de jornais que normalmente não têm acesso à seletiva e restritiva seção dos leitores dos grandes periódicos e revistas semanais brasileiras. Creio que um dos maiores méritos deste abaixo-assinado é o de ter se constituído num canal que permitiu dar voz a centenas de pessoas desconhecidas do grande público; por meio dessa forma democrática de consulta e petição (Ipetition), puderam elas, no melhor sentido da palavra, desabafar ou manifestar sua indignação diante do ominoso "estelionato semântico" perpetrado pelo Editorial da Folha.

Neste sentido, centenas de vozes uniram-se num verdadeiro grito de repúdio sintetizado pela recorrente expressão: "Ditadura nunca mais!" Dezenas de testemunhos de ex-presos políticos, de familiares de mortos e torturados, de dirigentes de entidades em defesa dos direitos humanos10 tornam "Repúdio e Solidariedade" um insubstituível documento que se integra ao conjunto das iniciativas que reivindicam o "direito à justiça" às vítimas do regime militar bem como defendem o "direito à verdade" sobre os fatos ocorridos no período de 1964 a 198511.

Uma inescapável conclusão do conjunto dos depoimentos é a de que, a partir dos relatos de ex-presos políticos e ex-torturados, a imagem da Folha de S. Paulo e do "Grupo Folha" "não saiu bem na foto"... À guisa de ilustração, alguns comentários sobre os vínculos entre o "Grupo Folha" – e, em particular, a Folha de S. Paulo – e o regime posterior a 1964 merecem ser aqui reproduzidos: "Fui preso político do DOI-CODI em São Paulo, em 1972/73, lá os torturadores nos obrigavam a ler o famigerado jornal Folha da Tarde; era uma das formas de tortura, pois o dito periódico trazia sempre manchetes de presos políticos assassinados. Os títulos das manchetes eram sempre os mesmos: 'Terrorista morto atropelado quando fugia da polícia'; ou então, 'terrorista morto quando reagiu à prisão [...]'. Sabíamos que esses 'terroristas' estavam presos no DOI-CODI e saíram mortos de lá. Esse papel sujo e cruel de falsificar a verdade era exercido por um órgão das empresas dos Frias. Esse manifesto veio em boa hora, como contribuição para desmascarar esses [...]";

"Além de se beneficiarem com a ditadura, colaborarem com a repressão, que torturou e matou centenas de brasileiros, a Folha de S. Paulo quer agora destruir a memória nacional. Canalhas no passados, canalhas no presente! Deram um jornal para o DOI/CODI usar como porta-voz do terrorismo de Estado"12;

"A Folha é um jornal hipócrita e covarde, que apoiou a tortura e o terrorismo de Estado e virou 'democrata' quando a ditadura entrou em processo terminal";

"Durante a DITADURA civil-militar, Rose Nogueira, jornalista da Folha de S. Paulo à época, foi presa, grávida, e a Folha a demitiu por abandono de emprego";

Sobre a "revisão histórica" e o papel da mídia, alguns comentários merecem ser destacados: "A primeira vez em que ouvi essa expressão foi nos porões da ditadura, quando os torturadores do DOI/CODI referiam-se ao governo como 'ditamole'";

"Realmente foi branda a ditadura para aqueles que, como os diretores e proprietários do jornal Folha de S. Paulo, dela vergonhosamente se beneficiaram e a ela emprestaram seu apoio político e seus recursos financeiros, possibilitando àquele monstruoso regime a sua longa permanência como a mais duradoura de nossas ditaduras republicanas";

"Fatos lamentáveis como o editorial da Folha de S. Paulo só reforçam minha convicção cada vez maior de que a mídia desinforma [...] só que a Folha de S. Paulo quer ir além, ela quer re-escrever a História. Por isso que há muito tempo não contribuo para a existência desse grupo empresarial, não compro a Folha de S. Paulo, não assino UOL, não compro nem assino Valor Econômico [...]";

"Por essas e outras, cancelei minha assinatura da FSP há alguns anos. Está cada vez mais parecido com a Veja";

"Ainda bem que a Folha de S. Paulo está deixando bem claras suas convicções ideológicas. Como ex-assinante e militante anti-fascista saúdo a coragem do editorialista de plantão e proponho uma campanha democrática pelo cancelamento de assinaturas e boicote a esse periódico".

De forma sintética, os comentários expressos no abaixo-assinado defendem ou constituem-se: em massiva indignação contra a fraudulenta "revisão histórica" expressa pelo neologismo "ditabranda"; em denúncia sobre a colaboração ativa do "Grupo Folha" com os mais violentos aparelhos repressivos da ditadura militar"; em contundente negação da auto-identificação de "jornalismo democrático, imparcial e a serviço do Brasil"; em uma firme defesa da democratização dos meios de comunicação; e, por fim, em enfático apoio à campanha pela abertura imediata dos arquivos da ditadura militar13.

Pode-se concluir que a imagem que, nos últimos tempos, o "Grupo Folha" tem procurado construir sobre seu principal veículo de comunicação – um jornal que, na luta pela redemocratização, esteve na vanguarda da sociedade civil brasileira – foi literalmente desfigurada pelo conjunto dos depoimentos. Por via de conseqüência, muitas vozes no abaixo-assinado defenderam o mote: "Cancelamento das assinaturas do Grupo Folha (FSP e UOL)!"

IV. REPERCUSSÕES E EFEITOS POLÍTICO-IDEOLÓGICOS

Nos primeiros dias de carnaval, o abaixo-assinado passou a ser amplamente divulgado em várias páginas da Internet de conteúdo crítico (de entidades culturais, de jornalistas independentes, fóruns de debates, de entidades sindicais, de partidos políticos e parlamentares de esquerda, blogs de acadêmicos progressistas etc); a partir da Quarta-Feira de Cinzas, as adesões intensificaram-se, pois as pessoas retomavam às suas atividades regulares e normais14.

No plano das repercussões políticas e ideológicas, alguns fatos deveriam ser mencionados e, brevemente, comentados.

IV.1. Na grande imprensa

No plano da grande imprensa, apenas a Editoria da Folha tomou a iniciativa de se manifestar. Enquanto jornalistas – tidos e havidos como "críticos" do regime militar (Jânio de Freitas, Elio Gaspari, Marcelo Coelho e Clóvis Rossi), ficaram quedos e mudos sobre a polêmica aberta pelo abaixo-assinado ("ditadura" versus "ditabranda") –, a Direção do jornal, de imediato, incumbiu o Editor de Política, Fernando Barros e Silva, para atenuar o estrago que começava a afetar gravemente a imagem pública do jornal15. Em pequeno artigo, "Ditadura, por favor" (BARROS E SILVA, 2009), o jornalista reconhecia que o jornal errou ao utilizar o crasso neologismo; mas, reiterando a cantilena da Editoria, não deixou de criticar as esquerdas pelo apoio que têm dado a regimes "ditatoriais" (Hugo Chávez, Fidel Castro etc.). Por sua vez, em seu blog, Marcelo Coelho lamentou o "termo infeliz". Ao afirmar que surgiram "mil protestos contra o uso do termo 'ditabranda'" aludia, ainda que de forma implícita, ao abaixo-assinado da Internet. Ao final, de forma patética, apelava a um entendimento entre a Folha e as esquerdas: "Será que não estamos de acordo quanto ao que significa 'democracia'?" (COELHO, 2009).

Um aparente "recuo" do jornal viria apenas 19 dias após o sinistro Editorial da "ditabranda". Por meio de ardilosa Nota, o Diretor Editorial, Otavio Frias Filho, reconhecia o "erro" e a conotação leviana do uso da noção de "ditabranda". Muito longe de proceder a uma rigorosa e conseqüente autocrítica – que implicaria o jornal desculpar-se em face da ofensa à memória dos brasileiros e brasileiras que foram mortos, torturados ou desapareceram no combate à ditadura militar –, o Diretor Editorial reiterava a fraudulenta versão da "brandura" da ditadura brasileira16. Na mesma direção, um acadêmico foi convocado pelo jornal para apoiar a "revisão histórica" da Editoria. Em "Ditadura à brasileira" (2009), Marco Villa prestou-se a esse trabalho ao afirmar: "O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições para os governos estaduais em 1982" (VILLA, 2009). Fica implícito que, a rigor, a ditadura posterior a 1964 – que jamais é conceituada e analisada pelo historiador – teria existido apenas durante dez anos (1969-1979)17.

IV.2. A publicação do abaixo-assinado: democracia na Folha de S. Paulo?

No mesmo domingo em que o Diretor Editorial redigia sua falaciosa nota, a Folha informou que, nas últimas semanas, circulava na Internet um abaixo-assinado que "contava com mais de 7 000 adesões"; mas, não deixava de arrematar: "[...] cuja autenticidade, porém, não há como comprovar"18. A matéria destacou também que personalidades como Antonio Candido, Oscar Niemeyer, Chico Buarque, entre outros, apoiavam o abaixo-assinado; para demonstrar "isenção", o jornal reproduziu integralmente as quase trinta linhas do texto. No entanto, a meu ver, a explicação desse "democratismo" da Folha deveu-se a duas razões principais: 1) a repercussão e o apoio que alcançou o abaixo-assinado nos meios acadêmicos e intelectuais – particularmente entre aqueles que, com certa freqüência, colaboram com o jornal19 –, certamente levou a Direção Editorial a abrir o jornal aos seus críticos. Sabe-se que dezenas de jornalistas que integram os quadros do jornal – com Mestrado ou Doutorado na Universidade de São Paulo ou na Universidade Estadual de Campinas –, não têm interesse em romper relações com a intelectualidade crítica e de esquerda. Embora pretendam ser la crème de la crème da inteligência brasileira, muitos jornalistas da Folha não podem prescindir da colaboração dos intelectuais progressistas para assessoramentos, sugestões de matérias, entrevistas etc. Não podem nem desejam estes jornalistas prescindir da manutenção de boas e proveitosas relações com os acadêmicos e intelectuais que têm convicções democráticas e são críticos da ordem capitalista.

2) foi também o "clamor da rua" que contribuiu para a decisão da Direção da Folha no sentido de informar seus leitores sobre o fato de que setores da chamada sociedade civil manifestavam-se firmemente contra a equivocada orientação editorial do jornal. Organizado pelo Movimento dos Sem-Mídia, cerca de 400 pessoas – convocadas por diversas entidades do estado de São Paulo20 – reuniram-se na manhã de sábado (em 7 de março de 2009) para um "Ato de protesto contra a 'ditabranda'", diante da sede do jornal. Por cerca de três horas, manifestantes – portando faixas e cartazes denunciando as mortes e os desaparecimentos durante a ditadura militar –, ouviram emocionados depoimentos de ex-presos políticos e lideranças de entidades em defesa dos direitos humanos. Os vários depoentes que discursaram no Ato21– todos eles signatários do abaixo-assinado – foram contundentes na denúncia da ativa colaboração do "Grupo Folha" com a ditadura militar e na crítica à recente "recaída" editorial. Solidariedade aos dois acadêmicos da USP que foram insultados pelo jornal, também foi prestada pelos oradores e pelas pessoas presentes ao ato22.

Como o debate alcançou a rua, a Folha, embora de "forma malandra" – como observou o "blogueiro" Rodrigo Vianna –, obrigou-se a abrir suas páginas aos protestos e à indignação generalizados que se manifestavam em setores da sociedade civil que prescindem do "Grupo Folha" para formar suas opiniões e convicções.

V. A REAÇÃO DA DIRETA DURA E PURA

Como o conjunto da grande imprensa brasileira tem frágeis "telhados de vidro", mas aguçada consciência de classe, nenhum grande veículo de comunicação (rádio, tv, jornais, revistas etc.) atreveu-se a informar a existência do abaixo-assinado ou a noticiar a realização do ato de protesto contra uma publicação concorrente; no entanto, uma honrosa exceção, não poderia deixar de ocorrer. Veio ela em um dos portais da revista Veja. Êmulo do decadente cronista-mor da Rede Globo durante a ditadura militar, Paulo Francis, Diogo Mainardi escreveu, em 26 de fevereiro de 2009, uma crônica que está à altura dos "escritos" (sic) de um companheiro d'armas, o panfletário Olavo de Carvalho. Em "A Vichy do PT", não só aplaudiu o dono da Folha pelos insultos desferidos contra Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato, como também ofendeu os "colaboracionistas do regime [que] publicaram um manifesto de apoio aos dois". Destilando ódio e raiva, o "cão de guarda" de Veja, declarou que "Dalmo Dallari, Maria Rita Kehl, Emir Sader, Renato Janine Ribeiro, Paul Singer e Antonio Candido" são "uma gente caduca, uma gente tacanha, uma gente cabotina" (MAINARDI, 2009)23. Com sua provocação rastaqüera, certamente desejava mais um processo judicial com o qual pudesse se apresentar como uma nova "vítima das esquerdas". Mas, para sua decepção, Benevides e Comparato não tomaram conhecimento das pequenas torpezas escritas pelo sicofanta de Veja.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Registre-se que Carta Capital foi o único órgão da grande imprensa brasileira que deu destaque ao episódio. Revista semanal dirigida por Mino Carta – jornalista que entrou em várias polêmicas com a Folha e, em particular, com o seu Diretor Editorial, Otavio Frias Filho –, Carta Capital concedeu uma página (na edição de 27 de fevereiro de 2009) à Professora Maria Victória Benevides para que esta oferecesse a sua versão sobre o debate em curso24.

Na conclusão de seu artigo, a docente da USP levantou uma questão que é recorrente no interior da cultura política de esquerda: colaborar ou não com a grande imprensa burguesa, particularmente com a Folha? Sua experiência pessoal nesse episódio parece tê-la conduzido a concordar com a jornalista Elaine Tavares – citada no seu artigo – que recentemente escreveu: "Sempre me causou espécie ver a intelectualidade de esquerda render-se ao feitiço da Folha, que insistia em dizer que era o 'mais democrático' ou que 'pelo menos abria um espaço para a diferença'" (Tavares apud BENEVIDES, 2009). Sob esta perspectiva crítica, os quem aceitam a tese de "ocupar espaço" – isto é, a de que é possível "promover a luta ideológica" no interior da grande mídia – não deixariam, no final das contas, de contribuir para legitimar os aparelhos de hegemonia das classes dominantes.

A questão é, certamente, bastante controvertida e continuará aberta no debate dentro das esquerdas brasileiras. No entanto, na opinião da extensa maioria dos signatários do abaixo-assinado não há o que hesitar: a Folha de S. Paulo longe está de ser uma publicação pluralista e democrática. Muitos opinam que a trajetória editorial do jornal e as suas atuais posições ideológicas são dominantemente antipopulares e não-democráticas; não haveria, pois, "espaço" algum a ser ali conquistado. Mais radical ainda é a conclusão de boa parte dos signatários: "Não assinar a Folha de S. Paulo!" Em poucas palavras, seria preciso fazer simultaneamente o combate ideológico e material contra o jornal.

A experiência desse abaixo-assinado revela que é possível questionar e insurgir-se; é possível criar fatos políticos que mobilizem pessoas insatisfeitas com a qualidade da informação difundida pela grande mídia brasileira. O conjunto dos signatários de "Repúdio e Solidariedade", espalhados por todo o país, e os que saíram à rua na capital paulista para protestar contra a Folha manifestaram – de forma clara, firme e contundente – que desejam uma ampla e conseqüente democratização dos meios de comunicação no Brasil.

Por seus objetivos limitados e circunscritos, "Repúdio e Solidariedade" jamais buscou ser uma espécie de "Delenda Folha de S. Paulo!" Em nenhum momento, os organizadores do documento superestimaram os efeitos políticos e ideológicos do documento. No entanto, também não podem deixar de reconhecer que o abaixo-assinado teve um papel ativo – senão, desencadeador – no extenso debate crítico – contra a fraudulenta e infundada "revisão histórica" defendida pela Folha – que ocorreu na mídia alternativa brasileira durante algumas semanas de fevereiro e março de 2009. Talvez o papel simbólico mais relevante desse documento seja o de ter fincado uma bandeira na luta ideológica em torno da memória sobre 1964. No centro dessa bandeira seria reinscrita – como propôs um dos signatários do documento – a antiga consigna: no pasarán. Ou seja, os setores democráticos e progressistas da sociedade brasileira que apoiaram "Repúdio e Solidariedade" afirmam que não aceitarão calados as "falsificações da história" que impliquem o insulto à memória dos que lutaram, foram torturados e morreram na luta pela redemocratização do país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VILLA, M. Ditadura à brasileira. Folha de S. Paulo, Tendências/Debates, 5.mar. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0503200908.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

OUTRAS FONTES

Limites a Chávez. 2009. Folha de S. Paulo, Editoriais, 17.fev. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702200901.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

Nota da redação. 2009. Folha de S. Paulo, Painel do Leitor, 20.fev. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2002200910.htm. Acesso em : 2.ago.2009.         [ Links ]

Recebido em 2 de fevereiro de 2009.
Aprovado em 25 de fevereiro de 2009.

Caio Navarro de Toledo (cntoledo@terra.com.br) é Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e Professor Colaborador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
1 Formados pelo Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), à época localizado na Rua Maria Antônia, suas vidas foram sacrificadas pela ditadura militar assassina
2 Por ocasião da última revisão desta crônica, em 19 de maio de 2009, eram 8 188 os signatários do abaixo-assinado.
3 Na forma de anexo, o abaixo-assinado é publicado ao final deste artigo. Da minha perspectiva, o caráter crítico do texto é incontestável; sua clara e definida orientação progressista e democrática não faz concessões à retórica moralizante ou corporativista que, com muita freqüência, caracterizam alguns abaixo-assinados que manifestam "solidariedade" a personalidades da vida política ou cultural.
4 Nas palavras do Diretor Editorial, as formulações indignadas de Benevides e Comparato – colaboradores ativos do jornal, particularmente desde a campanha das "diretas já" – eram "cínicas e mentirosas" (Nota da redação, 2009).
5 Sabe-se que, atualmente, nos meios acadêmicos progressistas, muitos não lêem o jornal ou deixaram de assiná-lo nestes últimos tempos. No entanto, como é o caso do autor, alguns não deixam de, gratuitamente, consultar o jornal impresso – via o provedor UOL – posto que a Folha de S. Paulo não deixa de ter presença ativa no debate político no Brasil contemporâneo.
6 Alípio Freire, Augusto Buonicore, Eleonora Albano, Emir Sader, Heloisa Fernandes, Ivana Jinkings e Patrícia Trópia tiveram, desde o início, atuante papel na realização do abaixo-assinado, por meio de idéias, sugestões e comentários.
7 Uma signatária assim manifestou-se: "Não tive o privilégio de lutar contra a ditadura. Não faço parte do rol de intelectuais que assinam este manifesto. Mas sou uma brasileira indignada com o avilte aos brasileiros e brasileiras que morreram/desapareceram lutando por liberdade, por democracia".
8 Em nota, os responsáveis pelo abaixo-assinado solicitavam que os signatários se identificassem (nome completo, profissão etc). No entanto, nem todos informaram suas respectivas atividades profissionais.
9 Se a maioria parece ser composta de profissionais liberais, algumas signatárias identificaram-se como donas de casa; uma destas comentou: "Ex-comerciante, atualmente aposentada, dona de casa indignada".
10 Sobre a questão da tortura, um depoimento impõe aqui ser reproduzido: "Psicólogo, psicanalista, mestre em lingüística, interessado naquele período político e tendo atendido por anos parente de vítima fatal de tortura na ditadura, assisti a corrosão grave na mente e no corpo dos parentes – algo correlato, em sentido psicanalítico, da hemorragia da vida do torturado pelos paus de arara, choques e outras perfídias que caracterizaram aquelas relações de poder".
11 Alguns "intrusos" ou provocadores de direita buscaram infiltrar-se no abaixo-assinado. Um deles emitiu um "comentário" que revela bem a visão dos que ainda têm saudades da ditadura militar: "Cambada de filhos da puta, vocês merecem mesmo é serem seqüestrados e ter pedaços de suas orelhas arrancadas". Dada a natureza deste abaixo-assinado – que não é um site de debates –, opiniões semelhantes a esta foram suprimidas pelo administrador do Ipetition
12 Sobre o episódio dos carros cedidos à repressão, um outro signatário utilizou-se de ácido humor: "Rural-Willis ano 1970, relíquia da ditabranda, pequenas manchas de sangue no banco de trás. 3224-4000. Tratar com Frias". Desconhece-se até o momento, por parte do jornal, uma negação da informação que se encontra no livro de Elio Gaspari, A Ditadura Escancarada; o atual e prestigiado colaborador da Folha afirma que "carros da empresa eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos em busca de 'pontos' [...]" (GASPARI, 2002, p. 395). A este respeito, ainda, é bastante convincente e esclarecedor o depoimento do ex-preso político Aton Fon Filho (2009).
13 Em virtude do espaço, deixamos de reproduzir alguns dos comentários sobre estes dois últimos pontos. Vários signatários manifestaram-se de forma veemente contra a "imprensa marrom", hoje representada pela revista Veja (Grupo Abril), nunca esquecendo do papel golpista de O Globo, O Estado de S. Paulo etc. De outro lado, militantes e ativistas na defesa dos direitos humanos, ex-presos políticos e familiares de desaparecidos e várias outras pessoas defendem no abaixo-assinado a abertura imediata dos arquivos da ditadura militar.
14 De um pouco mais de 2 000 na quarta-feira, as assinaturas, no sábado à noite, chegaram ao número 6 000.
15 No blog de Marcelo Coelho, no UOL, o influente jornalista do Conselho Editorial da Folha, reconhecia que "o resultado, para a Folha, foi ruim em termos de imagem e de relações públicas [...]" (COELHO, 2009; sem grifos no original).
16 Nas palavras do proprietário da Folha: "Foi [a ditadura brasileira] menos repressiva que as congêneres argentina, uruguaia e chilena – ou que a ditadura cubana, de esquerda" (FRIAS FILHO, 2009).
17 Jânio de Freitas – que durante 19 dias também deixou de se pronunciar sobre a polêmica em curso, em artigo no domingo ("História à brasileira"), foi contundente na crítica a Marco Villa (FREITAS, 2009). Ficou evidenciado, pois, que Jânio de Freitas e Elio Gaspari, articulistas que nunca pouparam denunciar os "crimes da ditadura militar", preferiram não fazer reparos públicos à editoria da Folha Continua, pois, válido o truísmo: liberdade de imprensa raramente é possível nos quadros da liberdade de empresa...
18 O formato do iPetition exige a identificação do signatário (via endereço eletrônico) e impede que uma pessoa duplique sua assinatura. Ao insinuar que foi "inflado" de forma fraudulenta, a nota da Folha apenas revela que o jornal ficou incomodado com o número de adesões obtidas pelo abaixo-assinado.
19 Entre os intelectuais e acadêmicos signatários que a Folha distingue e reconhece – na forma de convite para diferentes tipos de colaborações –, estariam: Antonio Candido, Alfredo Bosi, Francisco de Oliveira, Luiz Costa Lima, Luiz Felipe de Alencastro, Michel Löwy, Olgária Matos, Oscar Niemeyer, Otília Arantes, Paulo Arantes, Paul Singer, Renato Ortiz, Ricardo Antunes, Sérgio Adorno, Walnice Galvão etc. De outro lado, sabe-se que outros acadêmicos, particularmente da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), freqüentadores das páginas do jornal – por razões que não são difíceis de imaginar –, adotaram um respeitoso silêncio diante do abaixo-assinado.
20 Entre as entidades que participaram da convocação do ato, destacavam-se o Fórum Permanente ex-presos políticos de São Paulo, várias organizações de defesa dos direitos humanos e de movimentos sociais populares (de mulheres, de negros, indigenistas etc.), além de mais de seis sindicatos (com destaque para o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), quase uma dezena de Centros Acadêmicos de escolas de ensino superior da cidade de São Paulo e jornais alternativos (Caros amigos, Brasil de Fato etc).
21 Os depoimentos estão no YouTube – destacamos três deles: Padre Júlio Lancelotti (2009), Aton Fon Filho (2009) e Eduardo Guimarães (2009).
22 No blog Escrevinhador, informa Rodrigo Vianna: "A Folha mandou um fotógrafo e dois repórteres para cobrir o ato. Mas, na edição impressa de domingo, não havia propriamente uma reportagem sobre o protesto. Foi uma cobertura malandra, sem fotos, sem a declaração de nenhum dos presentes" (VIANNA, 2009). Alguns dias antes, o blog publicou, sob o título Por que a Folha não publica cartas de Ivan Seixas?, uma extensa matéria. Ilustrada com uma foto chocante que mostrava os profundos hematomas no rosto de seu pai, Joaquim Alencar de Seixas – advindos de sessões de tortura na OBAN/DOI –, Ivan Seixas, interpelava Otávio Frias Filho pela posição editorial da Folha. No texto, Ivan Seixas afirma ter visto viaturas do jornal na porta da OBAN/DOI-CODI – onde seu pai foi morto – e que esses carros eram utilizados para transporte de presos políticos.
23 A rigor, o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da USP, foi citado indevidamente, pois não foi signatário do abaixo-assinado.
24 Como já foi observado, vários blogs manifestaram-se criticamente durante esse episódio; no entanto, devemos reconhecer que o Portal Vermelho, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi quem – nos meios de esquerda – não apenas tomou a primeira iniciativa de divulgar o abaixo-assinado, como também de abrir sua página para o debate contra a injustificada "revisão histórica" feita pela Folha.

ANEXO

REPÚDIO E SOLIDARIEDADE

Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio à arbitrária e inverídica "revisão histórica" contida no editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar "ditabranda" o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo "ditabranda" é, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964.

Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a "Nota de redação", publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta às cartas enviadas à seção "Painel do Leitor" pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis à atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante às insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.

Pela luta pertinaz e conseqüente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.