quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Sábia decisão do Presidente Lula

 
Bem-vindo Cesare Battisti
 
"Não à extradição de Battisti".  Foi com esse título, no site Direto da Redação, que publiquei meu primeiro artigo em favor do companheiro
Cesare Battisti* hoje agraciado pelo presidente Lula, e que poderá viver, enfim, no Brasil, depois de quase dois anos de prisão, mesmo
depois da decisão do ex-ministro Tarso Genro.
 
Desnecessário falar de minha alegria de combatente, já que, no início, logo depois da prisão de Battisti no Rio de Janeiro, grande parte da
esquerda não se decidia a apoiar Cesare Battisti. em consequência de uma insidiosa campanha movida pela revista Carta Capital.
 
Lembro-me do duelo com Mino Carta, redistribuído pela mídia alternativa. Dos artigos no Brasil de Fato, no Observatório da Imprensa,
Correio do Brasil e de tantos outros, reproduzidos na própria França, onde a grande defensora de Battisti era a escritora Fred Vargas,
muitas vezes no Brasil para contratar advogados, encontrar-se com juristas, políticos, ministros, em busca da libertação de Battisti.
 
A campanha por Battisti teve, a seguir, como seus grandes defensores Celso Lungaretti, ex-combatente contra a ditadura, ex-preso político,
o combativo articulista Laerte Braga, o jurista Carlos Lungarzo, os políticos Eduardo Suplicy e Fernando Gabeira. E tantos outros que foram
se juntando, se mobilizando, se reunindo diante do STF para protestar contra o ministro Cesar Peluzo e Gilmar Mendes, que quase provocaram
uma crise institucional ao rejeitarem uma decisão do próprio ministro da Justiça Tarso Genro, mantendo preso, ilegalmente, diga-se de
passagem, o italiano Cesare Battisti.
 
Lembro-me também das ofensas do governo e de políticos italianos contra o Brasil e contra Tarso Genro, vindas justamente do desmoralizado
governo de Silvio Berlusconi, mas aceitas pela imprensa brasileira. Entendemos a paciência do presidente Lula, pois essa mesma imprensa
comprometida teria certamente utilizado a não extradição de Battisti como argumento contra a eleição de Dilma Rousseff.
 
Pena que muitos brasileiros sem acesso ao falso processo de Cesare na Itália, tenham criado a idéia corroborada pela imprensa, de que
se tratava de um culpado, quando na verdade era um foragido vítima de perseguição política. A verdade pouco a pouco virá à tona, e
ajudará Battisti a se integrar no Brasil, escrever novos livros e se juntar aos combatentes pelos direitos humanos se tornando um dos nosso
valores intelectuais.
 
Fiquemos, porém, alertas para que Cesare Battisti não seja vítima de atentado ou vingança por parte de políticos italianos frustrados com a
decisão brasileira. Lula não repetiu o êrro de Getúlio, que cedeu Olga Benário Prestes aos pedidos da Alemanha nazista. O Brasil se afirma,
com essa decisão política de Lula, como um país independente, sem medo de pressões e ameaças, mesmo porque já se tornou uma potência
internacional.
 
Bem-vindo Cesare Battisti ao convívio de nós brasileiros, de todos nós que lutamos contra os diversos tipos de opressão, de controle, de
injustiças e de tramas judiciárias contra os lutadores pela liberdade. Ontem, prisioneiro, ameaçado de extradição, hoje Battisti é o atestado
de  nossa maioridade política e se torna uma marco na nossa história, no epílogo de uma luta entre um judiciário brasileiro desejoso de
satisfazer a injustiça italiana contra um executivo, que não se dobrou e optou pela justiça e pelos direitos humanos. É o fecho de ouro do
governo Lula.
 
Espero ter ainda a oportunidade, um dia desses no Brasil, de me encontrar com Battisti para lhe dar o abraço de boas-vindas como homem
livre no território brasileiro.
 
 
 
 
 

*NÃO À EXTRADIÇÃO DE CESARE BATTISTI

Berna (Suíça) - Existem momentos em que uma decisão da Justiça brasileira pode transmitir ao mundo uma mensagem de serenidade, equilíbrio e ponderação. Esta coluna hoje quer ter mais uma função de manifesto para propor às personalidades brasileiras, muitas das quais viveram o exílio político, uma mobilização para pedir ao nosso Supremo Tribunal a rejeição do pedido de extradição do antigo militante da extrema-esquerda Cesare Battisti, preso no Rio de Janeiro.

Condenado à revelia à prisão perpétua, na Itália, por quatro crimes dos quais nega ser o autor, Cesare Battisti tinha se beneficiado, na França, de uma decisão do presidente Mitterrand contrária à extradição de antigos militantes revolucionários italianos. Julgando-se em lugar seguro, depois de ter fugido para o México, onde sobreviveu com pequenos empregos, Battisti começou ali a escrever livros policiais, talvez obcecado pela sua própria história de foragido – uma espécie de Jean Valjean italiano perseguido todo tempo por um obsessivo Javert.

Para ter com o que sustentar a esposa e as duas filhas, se tornou zelador de um prédio em Paris. Zelador-escritor, o antigo militante italiano do PAC, Proletários Armados pelo Comunismo, esperava viver na França o resto de sua vida.

Entretanto, o fim do governo Mitterrand, pos fim à sua anistia política. Um novo pedido de extradição pela Itália foi acatado pelo governo francês de Jacques Chirac. Não querendo passar o resto da vida na prisão, Cesare Battisti retomou sua vida de foragido. Na sua defesa, no julgamento da extradição, Battisti, além de negar os crimes, destacou a desumanidade da pena – "o que será de minha mulher e minhas filhas, que não poderei mais ver e nem sustentar ? Na verdade, serão elas também condenadas comigo".

Por que o Brasil não deve extraditar Cesare Battisti ?

Além da questão humanitária, pois os crimes dos quais é acusado ocorridos no começo dos anos 70 normalmente já estariam prescritos, os crimes dos quais é acusado fazem parte de uma outra época da história política européia – o das Brigadas Vermelhas, cujas manifestações ocorreram tanto na Alemanha como na Itália.

Essa página política foi encerrada e revista, tanto os envolvidos em atos de violência como os ideólogos se reconverteram em partidários de uma lenta mas pacífica evolução social pelo mecanismo democrático.

Todos nós viramos as páginas. O Cesare Battisti de hoje nada tem a ver com o dos anos 70. Além disso, o Brasil anistiou todos quantos participaram dessa época, durante a ditadura militar. Uma anistia que beneficou também os profissionais da tortura, mesmo se não eram movidos por nenhum ideal de mudar o mundo e justiça social. Fazer exceção a esse princípio já adotado no nosso País seria um contrasenso e uma injustiça.

Mesmo porque o governo brasileiro de hoje tem muitos militantes desse passado, cuja vida não é de foragidos. Se a Justiça brasileira quiser aplicar o tratado de extradição com a Itália, caberá ao presidente Lula, com seu senso de equilíbrio, já demonstrado, anistiar Cesare Battisti e permitir-lhe viver no nosso país com sua família. Será um decisão humana.

Fora isso, deve-se tomar em conta que a prisão de Cesare Battisti foi obra do atual candidato à presidência da França, Nicolas Sarkozy, cujas declarações contra os estrangeiros e criação de um ministério da Identidade Nacional fazem lembrar perigosos slogans dos anos 30. Sarkozy com seu golpe eleitoral, põe em dúvida a própria honorabilidade da França, pois o presidente Mitterrand tinha prometido, em nome da França, encerrar esse capítulo.

O Brasil não deve ser cúmplice de uma jogada eleitoral da direita dura francesa que espera ganhar votos entre o eleitorado da extrema-direita com a prisão do antigo revolucionário.

 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sentença da Corte IDH: Brasil é obrigado a investigar e punir os crimes da ditadura militar

 
 
 
Grupo Tortura Nunca Mais-RJ

Sentença da Corte IDH: Brasil é obrigado a investigar e punir os crimes da ditadura militar

Rio de Janeiro, São Paulo e Washington DC, 14 de dezembro de 2010 - A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em uma sentença histórica notificada hoje, determinou a responsabilidade internacional do Brasil pelo desaparecimento forçado de, pelo menos, 70 camponeses e militantes da Guerrilha do Araguaia entre os anos de 1972 a 1974, durante a ditadura militar brasileira. Conforme compromisso assumido internacionalmente, é obrigatório e vinculante o pleno cumprimento desta sentença pelo país.

Esta é a primeira sentença contra o Brasil por crimes cometidos durante a ditadura militar, que permite discutir a herança autoritária do regime ditatorial e contribui para o estabelecimento de uma cultura do "Nunca Mais" no país.
O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP-SP) atuam, desde 1995, em
representação das vítimas e de seus familiares na denúncia internacional perante o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.

Ao longo do processo comprovaram cabalmente a responsabilidade internacional do Brasil pelo desaparecimento forçado das vítimas, pela total impunidade em relação a estes crimes e pela ausência de procedimentos eficazes para o estabelecimento da verdade no país. Assim, solicitaram diversas medidas de reparação, que abrangiam desde o conceito de reparação integral às vítimas e seus familiares, até medidas mais amplas, especialmente no que tange ao direito à verdade e à justiça, em relação à sociedade brasileira como um todo. Os fatos, as violações e as reparações mais destacadas que estabelece a sentença são as seguintes:

A Corte Interamericana determinou que as vítimas do presente caso foram desaparecidas por agentes do Estado. A
sentença estabelece que o Brasil violou o direito à justiça, no que se refere à obrigação internacional de investigar,
processar e sancionar os responsáveis pelos desaparecimentos forçados em virtude da interpretação prevalecente da Lei de Anistia brasileira, a qual permitiu a total impunidade deste crimes por mais de 30 anos.

A Corte determinou que esta interpretação da Lei de Anistia, reafirmada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, contraria o Direito Internacional. Nas palavras da Corte: "As (aquelas) disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso (Araguaia)".

Assim, a Corte requereu que o Estado remova todos os obstáculos práticos e jurídicos para a investigação dos crimes, esclarecimento da verdade e responsabilização dos envolvidos. Também, o Tribunal reafirmou o alcance geral de sua decisão exigindo que as disposições da Lei de Anistia, que impedem as investigações penais, não possa representar um obstáculo a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos.

Quanto à ausência de informação oficial a Corte avançou substancialmente os parâmetros exigidos para proteção do
direito de acesso à informação, incluindo o princípio da máxima divulgação e a necessidade de justificar qualquer
negativa de prestar informação. A Corte também afirmou que é essencial que o Brasil adote as medidas necessárias para adequar sua legislação sobre acesso à informação em conformidade com o estabelecido na Convenção Americana.

Finalmente, no que se refere à negativa do Estado, por mais de três décadas, de garantir o direito à verdade aos
familiares dos desaparecidos, a Corte Interamericana determinou que, em virtude do sofrimento causado aos mesmos, o Estado brasileiro é responsável por sua tortura psicológica e, entre outras coisas, determinou como medidas de reparação: a obrigação de investigar os fatos; a obrigação de realizar um ato publico de reconhecimento de sua responsabilidade; o desenvolvimento de iniciativas de busca e a continuidade na localização dos restos mortais dos desaparecidos; a sistematização e; a publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia e as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar no Brasil.

Portanto, a sentença da Corte IDH no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) é paradigmática porque
permitirá a reconstrução da memória histórica para as gerações futuras, o conhecimento da verdade e, principalmente, a construção, no âmbito da justiça, de novos parâmetros e práticas democráticas.
Segundo Vitória Grabois, familiar e vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ: "A falta de informação por mais de 30 anos causou aos familiares dos guerrilheiros do Araguaia angústia, sofrimento e desconfiança nas instituições brasileiras. A sentença da Corte renova nossa esperança na justiça."

Nas palavras de Beatriz Affonso, diretora do programa do CEJIL para o Brasil: "Esperamos que a administração de Dilma Roussef demonstre que os governos democráticos não podem fechar os olhos aos crimes do passado e que se empenhe em saldar a dívida histórica do país. Já o Poder Judiciário, que é parte do Estado brasileiro, deve cumprir a decisão promovendo a investigação dos crimes cometidos durante a ditadura. Todos os cidadãos brasileiros devem ter certeza de que hoje, na democracia, a lei está ao alcance de todos, inclusive os agentes públicos e privados, civis e militares envolvidos em nome da repressão em crimes contra os cidadãos."
Segundo Criméia Schmidt de Almeida, familiar e Presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo: " Essa sentença pode significar um passo importante na verdadeira redemocratização do país, eliminando os entraves ditatoriais que ainda persistem nas práticas dos agentes públicos. Como familiar espero que possa significar um ponto final a tantas incertezas que há quase 40 anos marcam com angústia a nossa vida"

Neste sentido Viviana Krsticevic, diretora executiva do CEJIL disse: "América Latina tem avançado significativamente na resolução dos crimes contra a humanidade cometidos por governos ditatoriais. O Brasil, no entanto, ainda está em dívida com os familiares e a sociedade no estabelecimento da verdade e da justiça relacionadas a este tema. Esta sentença representa uma oportunidade única para que o Brasil demonstre que é capaz de liderar tanto no âmbito internacional como nacional os temas relacionados aos direitos humanos e democracia. Para isto, o Brasil deve deixar sem efei tos os aspectos da lei de anistia que impedem a justiça frente a crimes contra a humanidade."

A sentença está disponível no website da Corte Interamericana:
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf

Para mais informações:
Centro pela Justiça e o Direito Internacional:
Beatriz Affonso +55 21 2533 1660 ou 7843-7285
Viviana Krsticevic +1 202 319 3000 ou celular: 1-202-651-0706
Millie Legrain +1 202 319 3000
Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro: +55 21 2286 8762 ou 21 8103-5657
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo: +55 11 3101-5549